François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 121
O Espiritismo e a Ciência – Parte VIII
Edson Ramos de Siqueira
Este
artigo é a continuação da parte VII, publicada na semana 118. Naquela ocasião,
apresentei uma parte do diálogo entre Quoerens e seu amigo Lúmen
(desencarnado), que lhe passou suas sensações pós desencarnação. Temos agora, alguns
trechos da sequência do diálogo.
Extraído
da obra “Narrações do Infinito”, de Camille Flammarion; um dos baluartes do
Espiritismo científico.
Quoerens
– “A palestra que ora inauguro convosco, meu caro mestre, traz à memória
os diálogos de Platão sobre a imortalidade da alma. E igual a Fedro* que o
solicitava a seu mestre, Sócrates, no próprio dia em que este devia beber a
cicuta – para obedecer à iníqua (injusta) sentença dos atenienses -, eu
vos pergunto, ó vós, que haveis transposto o termo fatal (desencarnação),
que diferença essencial distingue a alma do corpo, uma vez que este perece,
enquanto que a primeira não morre jamais?
(*Fedro é
uma obra escrita por Platão, em 370 a.C., na forma de diálogo entre Sócrates e
o interlocutor Fedro).
Lúmen –
Não darei a essa questão uma resposta metafísica, qual a de Sócrates,
nem uma solução dogmática, qual a dos teólogos, mas uma resposta científica,
porque vós, tal qual eu, dais valor somente aos fatos constatados pelos métodos
positivos. Ora, podem-se distinguir no ser humano três princípios diferentes,
ainda que reunidos: 1) o corpo material; 2) o corpo astral; 3) a alma.
[...]
O corpo material é uma associação de moléculas, formadas elas próprias
de agrupamentos de átomos. Os átomos são inertes, passivos, governados pela
força e entram no organismo pela respiração e pelos alimentos, renovam
incessantemente os tecidos, são substituídos por outros e, eliminados, vão
pertencer a outros corpos [...].
O corpo
astral (perispírito) é, por assim dizer, imaterial, etéreo,
fluídico. É por ele que o Espírito está associado ao corpo material; é o
envelope da alma, a substância física do Espírito.
Pela
energia vital, a alma agrupa as moléculas, seguindo certa forma, e constitui os
organismos.
A
força rege os átomos passivos – incapazes de se conduzirem eles próprios,
inertes. A força os chama, faz que lhe obedeçam, toma-os, coloca-os, dispõe
todos conforme certas regras e forma esses corpos tão maravilhosamente organizados
que o anatomista e o fisiologista contemplam. Os átomos são permanentes; a
força vital não. Os átomos não têm idade; a força vital nasce, envelhece,
morre. Um octogenário não é mais idoso do que o jovem de 20 anos. Por quê? Os
átomos que o constituem estão, naquele, apenas há alguns meses e, além disso,
não são nem velhos, nem novos. Analisados, os elementos constitutivos do seu
corpo não têm idade. O que envelheceu pois no octogenário? A sua energia vital,
a qual outra coisa não é que uma transformação da energia do Universo, e
esgotada no corpo. Ela mantém o corpo instintivamente sem ter consciência dela
própria: tem um começo e um fim; é uma força física inconsciente, organizadora
e conservadora do corpo.
A
alma (Espírito) é um ser intelectual, pensante,
imaterial na essência. O mundo das ideias, no qual vive, não é o mundo de
matéria: não tem idade, nem envelhece, não muda em um mês ou dois, igual ao
corpo, pois decorridos anos, sentimos que conservamos a nossa identidade, que o
nosso eu permanece. [...] A alma não é a força vital, pois esta é
mensurável, transmite-se por geração, não tem consciência intrínseca, nasce,
aumenta, declina e morre – estados diametralmente opostos aos da alma,
imaterial, imensurável, intransmissível, consciente. [...] Além disso, o
modo de existência da alma é essencialmente diferente do da vida. É um modo
espiritual. O sentimento do justo ou do injusto, do verdadeiro ou do falso, do
bom ou do mau, o estudo, as matemáticas, a análise, a síntese, a contemplação,
a admiração, o amor, o afeto ou a antipatia, a estima ou o desprezo, em uma
palavra, as preocupações da alma, quaisquer que sejam, pertencem à ordem
intelectual e moral, que os átomos e as forças físicas não podem conhecer e que
existe tão verdadeiramente quanto a ordem material. Jamais o trabalho químico
ou mecânico das células cerebrais, por mais sutil que se suponha, poderia dar
em resultado um julgamento intelectual [...].
Esses
elementos da entidade humana são encontrados no conjunto do Universo:
- Os
átomos, os mundos materiais, inertes, passivos;
-
As forças físicas, ativas, que regem os mundos e que se transformam umas nas
outras;
-
Deus, o Espírito eterno, organizador intelectual das leis matemáticas às quais
as forças obedecem; Ser incognoscível (o que é impossível conhecer),
no qual residem os princípios supremos do verdadeiro, do belo e do bem.
Quoerens
– É a primeira vez que assimilo, sob uma forma sensível, esse
fato não sobrenatural da morte e compreendo a existência individual da alma,
sua autonomia do corpo e da vida, sua personalidade e sobrevivência, sua
situação tão simples no Céu. Essa teoria sintética me prepara, eu o creio, para
compreender e apreciar vossa revelação. Um acontecimento singular, dissestes,
vos impressionou à entrada da vida eterna. Em que momento sobreveio?
Lúmen
– Ei-lo, meu amigo. Deixe-me seguir na narrativa. Soavam, bem
sabeis, as 12 pancadas da meia-noite no tímpano do meu velho carrilhão, e o
plenilúnio (lua cheia), no meio do seu curso, derramava
seu pálido clarão sobre meu leito mortuário quando minha filha, meu neto e
amigos de estima saíram do aposento no intuito de repousar um pouco. Quisestes
permanecer assistindo-me e prometestes à minha filha não abandonar o lugar até
o amanhecer. Eu vos agradeceria esse devotamento, terno e dedicado, se não
fôssemos qual dois verdadeiros irmãos. Teria decorrido meia hora, mais ou
menos, pois o astro das noites declinava para a direita, quando vos peguei a
mão e anunciei que a vida já me abandonava as extremidades. Assegurastes-me o
contrário, mas eu observava com calma meu estado fisiológico e conhecia que
poucos instantes restavam ainda à respiração. Dirigistes sutilmente vossos passos
para o aposento dos meus filhos, mas (ignoro por que concentração de esforços)
pude conseguir gritar, detendo tal intento. Voltastes, olhos lacrimosos, meu
amigo, e dissestes: “Sim, vossas derradeiras vontades foram observadas e amanhã
cedo será tempo ainda de fazer vir vossos filhos”. Havia nessas palavras
evidente contradição, que aprendi, sem isso deixar perceber. Lembrai-vos de que,
então, pedi que fosse aberta a janela? Que bela noite de outubro, mais bela do
que as dos poetas da Escócia cantadas por Ossian! Não longe do horizonte, e sob
meus olhos, distinguiam-se as plêiades (aglomerado de estrelas localizadas
na Constelação do Touro), veladas pelas brumas inferiores [...]. Vedes
que a memória não me falha. Quando abristes a janela de todo, os perfumes das recentes
rosas, adormecidas sob a asa da noite, chegaram até mim e confundiram-se com as
claridades silenciosas das estrelas. Exprimir a doçura que derramaram em minha
alma essas impressões – as derradeiras que a Terra me enviava, as últimas que
tocavam os sentidos ainda não atrofiados – ficaria para além das possibilidades
da minha linguagem: nas minhas horas de mais terno enlevo (sensação de êxtase),
de mais suave ventura, jamais senti essa alegria imensa, tal serenidade
gloriosa, semelhante prazer já celeste que me foram dados por esses minutos de
êxtase, escoados entre o sopro odoroso (perfumado) das flores e o meigo
olhar das estrelas longínquas. E, quando regressastes para junto de mim, eu
também voltara ao mundo exterior e, juntas as mãos sobre o peito, deixei que
meu olhar e meu pensamento rogassem unidos e subissem ao Espaço. E porque meu
ouvido fosse bem depressa se fechar para sempre, recordo as derradeiras
palavras que pronunciei: “Adeus, meu velho amigo. Sinto que a morte me conduz...
rumo às regiões desconhecidas, onde nos reencontraremos um dia. Quando a aurora
desmaiar as estrelas, haverá aqui apenas o meu corpo mortal. Repeti à minha filha
a última expressão da minha vontade: que ela eduque os filhos, tendo em mira os
bens eternos”.
As
palavras constantes deste trecho da obra de Camille Flammarion, apresentam um
significado muito profundo a respeito do desconhecido mecanismo da
desencarnação. A linha de raciocínio de Lúmen vem ao encontro de outros relatos
sobre a própria passagem à outra Dimensão, mediunicamente transmitidos por
vários Espíritos.
Percebe-se,
claramente, que a tão temida morte verdadeiramente não existe. A descrição da
própria desencarnação, de Lúmen ao amigo Quoerens, é bastante elucidativa,
tranquilizadora, chegando a ser poética.
Somente as
verdades consolam!!!
Observações: As partes I, II, III, IV, V, VI e VII, deste artigo, estão publicadas nas semanas: 102, 103, 106, 109, 112, 115 e 118, respectivamente.