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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 231



CONCEPÇÃO EXISTENCIAL DE DEUS


    

Sonia Hoffmann



José Herculano Pires (2003), na sua obra, traz aos leitores abordagem realística sobre a existência de Deus na perspectiva de não atribuir a Ele qualquer correspondência a abstrações corporais humanas, como "a mão de Deus", "os olhos divinos" e tantas outras atribuições que Lhe são conferidas pela finitude humana e pelos parcos recursos de entendimento, pela maioria das pessoas, da grandeza de Sua criação.


O autor confronta a reflexão Dele ser para muitos um enigma insuperável e, ao mesmo tempo, dizem amá-lo com todo o entendimento. A possibilidade de entendimento em avanços reencarnatórios o aproxima mais e mais como Criador amoroso, extremamente didático na aprendizagem de cada ser. Portanto, as constantes reflexões desvendam pouco a pouco Sua identidade enigmática e O torna existente, embora exista quem transfira para Jesus o símbolo do Deus menino, que difunda a morte de Deus para nos salvar, na enorme contradição de Jesus e Deus serem os mesmos, confundindo Criador e criatura.


Na historicidade humana, Deus absurdamente "figurou como o carrasco impiedoso da Humanidade ingênua e ignorante" (p.7). Mesmo não O negando em sua existência, disseram Ele ser capaz de colocar o "inocente" ser humano fervendo em um caldeirão eterno, configurando monstruosidade, rudeza, arbitrariedade e um masoquismo construídos em visões deformadas e trágicas. Esta tragédia gerada pelas civilizações foi reescrita na sublime mensagem e ideias trazidas pelo Cristianismo, "renovando tímidos lampejos de esperanças frustradas e revigorando-os na visão de esperanças futuras, penetravam na massa e a ela se misturavam como o fermento da parábola evangélica", surgindo a "modelagem futura do Deus Cristão, que nascera da palavra mágica do Messias: Pai. Mas até que os homens pudessem compreender o sentido dessa breve palavra, desse átomo oral, os detritos ferventes do caldeirão medieval teriam de escorrer pelas muralhas do preconceito e da ignorância" (p.8). 


Apesar deste ensinamento trazido por Jesus, as civilizações futuras não foram poupadas pelo próprio homem das guerras, das fogueiras inquisitórias, das atrocidades de sacrifícios, dos sadismos e violências nas mais diferentes maneiras, provando que pouco ou nada foi entendido na humanidade que vem atravessando os séculos.


Deus como Existente pode ser "captado pelo nosso sensório comum. Não necessitamos da percepção extrassensorial para captar sua existência." [...] "Deus como Existente é o Pai que Jesus nos apresenta em termos racionais, pronto a nos guiar e amparar, a nos dar pão e não cobrar quando temos fome e a nos convidar incessantemente para o seu Reino de Harmonia e Beleza. Se podemos percebê-lo em nós mesmos, na nossa consciência e no nosso coração, se podemos vê-lo em seu poder criador numa folha de relva, numa flor, num grão de areia e numa estrela, se podemos conviver com ele e nos sentarmos com ele à mesa e partir o pão com os outros, então ele realmente existe em nossa realidade humana e o podemos amar, e de fato o amamos de todo o coração e de todo o entendimento. Deus como Existente é o nosso companheiro e o nosso confidente. Não dependemos de intermediários, de atravessadores do mercado da simonia para expor-lhe as nossas dificuldades e pedir a sua ajuda. A existência de Deus se prova então pela intimidade natural (não sobrenatural) que com ele estabelecemos em nossa própria existência" (p.10). 


À medida em que a rotina da vida se restabelece no mundo arrasado, conforme menciona Herculano Pires, a vitalidade humana recompõe-se naturalmente na fé e os tempos marcados por horrores esmaecem na distância, internalizando-se na memória profunda da espécie humana: "as forças da vida reagem contra a destruição e a morte, a ponto de fazerem brotar redivivas - indiferentes às ameaças maiores que pesam no horizonte - as flores de antigas e esmagadas esperanças. Queremos todos confiar, queremos todos esperar. Mas isso não acontece apenas pelo influxo das forças vitais. Acontece sobretudo pela certeza íntima, que todos trazemos em nós, de que cometemos um erro imperdoável ao alimentar nas gerações sucessivas um conceito falso de Deus. Muitas vezes essa certeza aparece como simples suspeita, desprovida de provas que lhe deem validade ôntica. Mesmo assim ela nos sustenta no presente e nos faz esperar" (p.12). 


Deus ressurge em seu amor e sua Justiça, sendo um consolo para os que sempre sofreram e ainda sofrem, enquanto tantos outros, ateístas e materialistas, vivem felizes no uso e abuso dos bens terrenos e passageiros. 


Os filósofos atuais, contrariando ideais materialistas e de observação direta, conectaram o método dedutivo da Ciência ao método dedutivo do pensamento filosófico, provocando o processo dialético e consequentemente o método existencial: o ser humano, "como ponto de encontro do finito com o infinito, de causas e efeitos que nele se conflitam, apresenta-se como a síntese natural de toda a realidade, normal e paranormal. No aqui e agora das Filosofias Existenciais temos o encontro do tempo com a eternidade" (p.14).


Com ‘penso, logo existo’, Descartes libertou o pensamento moderno das amarras tradicionais para agir livremente quanto a investigação de uma realidade que é una, sequente e não fragmentada nos processos de análise. O dogma religioso da Criação, refere Herculano Pires, perdeu o seu poder hipnótico e hipnotizante sob os pensadores ainda subjugados pela subserviência medieval, descortinando a visão do Mundo das Ideias, com o efeito surgindo como reflexo da causa, ligados ambos pela necessidade de ser que é o próprio fundamento do Ser em si mesmo. As invencionices ridículas ruíram e vem à tona a concepção existencial de Deus, sem Ele ser elaboração "imaginária dos homens deslumbrados pelo esplendor da Natureza, mas como necessidade lógica e ôntica da compreensão do real. Ao homem-existente junta-se necessariamente e, portanto, de maneira inegável e indispensável, o Deus- Existente, cuja imagem absoluta se reflete na pluralidade humana. A inaceitável imagem de um Deus antropomórfico é imediatamente substituída pela anti-imagem de um Deus Absoluto, existente por si mesmo, cuja ideia se reflete na Criação produzindo o homem". [...] "Causa e efeito se distinguem com clareza, não permitindo mais o jogo de sofismas teológicos e filosóficos do passado, em que causa e efeito se confundem e se revezavam nas argumentações falaciosas. Se temos o existente no plano relativo ansiando pela sua própria transcendência, buscando o arquétipo do absoluto, a unidade causa-efeito se confirma no plano ôntico, revelando uma nova dimensão do homem e gerando um novo conceito de Deus. O homem já não pode ser explicado fora do contexto natural do Cosmo, como uma criação artificial e ocasional, espécie de capricho do Criador para uma experiência romântica"(p.16).


A concepção existencial de Deus se revela como lei, como fato verificável, em todos os elementos da Criação. A existência de Deus não é mais algo aleatório, uma questão teológica: é uma exigência científica presente na coerência do pensamento. As contribuições do Espiritismo para este novo olhar e ressignificação do entendimento foram intensas e imensas, desde a atividade de Kardec e seus colaboradores da época, até os Espíritos responsáveis pelos devidos esclarecimentos doutrinários. A retirada de Deus como Criador do universo é o mesmo que subtrair a importância do Sol no sistema Solar, como tão bem assinala Kardec.


Referência


PIRES, José Herculano. Concepção existencial de Deus. 6. ed. São Paulo: Paidéia, 2003.