François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 244
VELHOFOBIA
- UMA FACETA DO ETARISMO
Sonia Hoffmann
O
crescimento da população idosa é evidente, mas o processo de envelhecimento, em
diversas culturas, não é nem bem aceito e nem bem entendido. Embora o
envelhecer seja algo natural, muitas pessoas rejeitam esta certeza e geram
várias maneiras de negação desta realidade. Preconceitos, tabus, estigmas e até
mesmo medos patológicos (desenvolvidos por quem avança etariamente) se
articulam potencializando notoriamente riscos e vulnerabilidades para essa
população. Como se já não bastasse a complexidade de variáveis presentes no
processo de envelhecer, porque ele acontece de diversas maneiras e por
diferentes motivos, a pessoa ainda precisa lidar com a velhofobia ou, como os
especialistas nomeiam, a gerontofobia.
Muitas
pessoas tratam a velhice "como um mal necessário, do qual a humanidade
não tem como escapar. Por esse princípio, o idoso também é tratado como um mal
necessário, como alguém que já cumpriu sua função social: já trabalhou, já
cuidou da família, já contribuiu para a educação dos filhos, restando a eles,
somente, esperar pela finitude da vida" (Torres; Santos, 2008).
A
sociedade, especialmente ocidental, está bastante centrada na beleza juvenil e
na consideração de que raramente a pessoa idosa realiza um trabalho produtivo.
Com esta forma de pensamento, há quem entenda a velhice como "um
estágio de desorientação, depressão e doenças degenerativas. Essa que deveria
ser a melhor idade do homem acaba sendo palco de abandono, desilusão e uma
tentativa desesperada para não envelhecer. Por mais conquistas tecnológicas e
padrões de vida que possibilitem estender a jovialidade e retardar os efeitos
da maturidade corporal, o fato é que envelhecemos mal. Mesmo idosos que buscam
uma vida dinâmica demonstram dificuldades em aceitar a velhice. E aceitar não
quer dizer deixar-se levar - quer dizer aproveitar essa fase dentro daquilo que
ela possibilita de melhor para o Espírito. Com certeza essa dificuldade não é
do idoso, mas de todos nós que não nos preparamos para essa fase. Uma vida
baseada nos aspectos físicos e materialistas, e sem um sentido maior para si,
acaba por ter na velhice um palco de confronto e temor. Temor por negarmos a
nossa consciência, temor pela carne que envelhece, temor da morte que nos chama
para a verdadeira vida. Ficamos então resistindo, queremos esta vida baseada
nas gratificações do mundo. Uma velhice que não sabe encarar a morte é tão
doentia quanto uma juventude que não consegue construir na vida"
(Roberto, 2014, p.199-200).
Em
decorrência, como qualquer rótulo designando o preconceito, velado ou
ostensivo, uma gama de prejuízos são causados, como ansiedade, desvalorização,
depressão e assustadores atos excludentes no âmbito familiar e social do idoso.
Contudo, estes e outros danos não afetam somente a pessoa idosa, pois a
sociedade como um todo se empobrece ao furtar-se do convívio com esta geração e
se enfraquece ao desconsiderar a importância do intercâmbio de aprendizagens e
saberes os quais foram conquistados, ao longo dos anos, pela experiência e
observação.
Contudo,
a construção desta barreira etária, e o consequente entrechoque, não é algo
atual. No livro Boa Nova (Campos, [S.d.]), é abordado no capítulo Velhos e
moços, as reflexões de Pedro por sentir-se humilhado pelas conversações dos
discípulos mais jovens sobre as suas capacidades e energia para pregações em
outras cidades e por sentir que, pelo fato de estar mais envelhecido, a sua
idade não coadunava com os serviços do Evangelho do Reino, perguntando a si
mesmo o que seria de seu esforço singelo, embora em espírito se conservasse
firme e vigilante. O apóstolo, então, decide expor para Jesus suas dúvidas e do
Mestre recebe a carinhosa observação: "poderíamos acaso perguntar a
idade de Nosso Pai? E se fôssemos contar o tempo, na ampulheta das inquietações
humanas, quem seria o mais velho de todos nós? A vida, na sua expressão
terrestre, é como uma árvore grandiosa. A infância é a sua ramagem verdejante.
A mocidade se constitui de suas flores perfumadas e formosas. A velhice é o
fruto da experiência e da sabedoria. Há ramagens que morrem depois do primeiro
beijo do Sol, e flores que caem ao primeiro sopro da Primavera. O fruto, porém,
é sempre uma bênção do Todo-Poderoso. A ramagem é uma esperança; a flor uma
promessa; o fruto é a realização. Só ele contém o doce mistério da vida, cuja
fonte se perde no infinito da divindade!..." [...] "Esta imagem pode
ser também a da vida do espírito, na sua radiosa eternidade, apenas com a
diferença de que aí as ramagens e as flores não morrem nunca, marchando sempre
para o fruto da edificação. Em face da grandeza espiritual da vida, a
existência humana é uma hora de aprendizado, no caminho infinito do Tempo; essa
hora minúscula encerra o que existe no todo. É por isso que aí vemos, por
vezes, jovens que falam com uma experiência milenária e velhos sem reflexão e
sem esperança" (p. 62-63).
Pedro,
então, indaga se a velhice é a meta do espírito, respondendo Jesus:
- "Não
a velhice enferma e amargurada que se conhece na Terra, mas a da experiência
que edifica o amor e a sabedoria. Ainda aqui, devemos recordar o símbolo da
árvore, para reconhecer que o fruto perfeito é a frescura da ramagem e a beleza
da flor, encerrando o conteúdo divino do mel e da semente" (p.63).
O
discípulo retoma sua condição particular e pondera: - “A verdade, Senhor, é
que me sinto depauperado e envelhecido, temendo não resistir aos esforços a que
se obriga a minh’alma, na semeadura da vossa doutrina santa. - Mas, escuta,
Simão - redarguiu-lhe Jesus, com serenidade enérgica -, achas que os moços de
amanhã poderão fazer alguma coisa sem os trabalhos dos que agora estão
envelhecendo?!... Poderia a árvore viver sem a raiz, a alma sem Deus?!
Lembra-te da tua parte de esforço e não te preocupes com a obra que pertence ao
Todo-Poderoso. Sobretudo, não olvides que a nossa tarefa, para dignidade
perfeita de nossas almas, deve ser intransferível. João também será velho e os
cabelos brancos de sua fronte contarão profundas experiências. Não te magoe a
palestra dos jovens da Terra. A flor, no mundo, pode ser o princípio do fruto,
mas pode também enfeitar o cortejo das ilusões. Quando te cerque o burburinho
da mocidade, ama os jovens que revelem trabalho e reflexão; entretanto, não
deixes de sorrir, igualmente, para os levianos e inconstantes: são crianças que
pedem cuidado, abelhas que ainda não sabem fazer o mel" (p.63).
Associando-se
à argumentação apresentada por Jesus, temos a reflexão de Clarissa P. Estés
(2007): "Tornar-se idoso não resulta simplesmente em ter vivido muitos
anos, mas decorre mais daquilo que nos tornamos ao longo desses anos, daquilo
com que estamos nos preenchendo neste momento e até mesmo a partir do modo pelo
qual nos formamos antes que chegássemos a envelhecer muito. E, a partir desse
legado, surge minha certeza de que nunca é tarde para aprofundar o mapa. Não
importa quantos anos tenhamos vivido, podemos começar agora a nos preparar para
aquela travessia que nos levará ao poder da velhice e da sabedoria madura.
Todos terão a oportunidade de se reacender como uma força instrutiva e intensa.
Mas, nós somente chegaremos lá se encararmos esse ponto como nosso destino, a
partir de agora. Apesar de nossos apegos atuais, nossas mágoas, dores, choques,
realizações, perdas, ganhos, alegrias, o local que almejamos é aquela terra
psíquica habitada pelos velhos" (n.p.).
Assim, o
significativo é saber envelhecer, lembrando sempre que o Espírito amadurece sem
necessariamente envelhecer. É preciso, por tais razões, respeitar e adotar na
instituição espírita medidas includentes, apresentando à criança e ao jovem as
preciosas possibilidades da pessoa idosa, reunindo as várias gerações em
eventos nos quais todos tenham a sua função e a sua importância reconhecidas. O
esclarecimento sobre os motivos pelos quais, muitas vezes, pessoas com idade
mais avançada não conseguem realizar com a destreza da juventude movimentos,
deslocamentos e elaboração de atividades devem ser trazidos para conversações,
entendendo-se que, em diversas ocasiões o ritmo pode estar prejudicado, mas a
capacidade de entendimento e de percepção estão extremamente presentes: o que
está acontecendo no corpo físico é motivado por desgastes, por redução vital,
por despreparo para enfrentamento de dificuldades por vias alternativas.
Além
destas medidas de inclusão, é importante a observação da disponibilização de
rampas, corrimão, sanitários mais elevados e a colocação de barras. O piso deve
ser apropriado para não ocasionar quedas, a luminosidade estar adequada, letras
e apresentações precisam ter caracteres ampliados, definidos e contrastados,
com as imagens e som nítidos. A flexibilização de horários é significativa,
pois algumas situações podem impedir a presença ou o deslocamento por motivos
de saúde, de acompanhamento ou pela própria condição financeira porque algumas
pessoas idosas têm um gasto substancial com medicações, alimentação equilibrada
e cuidados médicos.
A
formação e o convite para participação em grupos nos quais sejam discutidos
sentimentos, posturas e entendimentos sobre o processo de envelhecimento é algo
extremamente valioso, pois oportuniza o idoso a pensar e falar da sua percepção
e antecipa para muitas pessoas o quanto temer o envelhecimento pode trazer
muitos mais danos do que ganhos. Comemorações e momentos de descontração
auxiliam no humor e sentimento de pertencimento da pessoa, assim como fazer
contatos telefônicos e visitas para estas pessoas colaboram para elas
sentirem-se valorizadas. A mensagem a ser sempre divulgada é aquela dada por
Jesus para Simão Pedro: "- Em verdade, Simão, ser moço ou velho, no
mundo, não interessa!... Antes de tudo, é preciso ser de Deus!..." (p.
66).
A pessoa
idosa tem valores, dignidade e sabedoria, conquistadas ao longo da sua
trajetória, que podem e devem ser compartilhadas nas mais variadas interações.
Mas, para que suas preciosidades se revelem e sejam acolhidas, é preciso o
espaço do acolhimento.
Referências
CAMPOS, Humberto de
(Espírito). Boa nova. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. 20. ed.
Rio de Janeiro: FEB, [S.d.] p. 62-66. Cap. Velhos e Moços.
ESTÉS, Clarissa
Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha, velha
enquanto jovem. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. Formato digital.
GERONTOFOBIA.
Disponível em:
https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/gerontofobia. Acesso em:
21 jul. 2024.
ROBERTO, Gelson Luis. Aquém
e além do tempo. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2014.
TORRES, Mabel
Mascarenhas; SANTOS, Maria Auxiliadora Ávila. Inclusão social de idosos: um
longo caminho a percorrer. Revista Ciências Humanas. Taubaté, v. 1, n.
2, 2008.