François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 252
Auto de Fé de Barcelona
Alfredo Zavatte
A tarefa dos
trabalhadores da Doutrina Espírita nunca foi fácil.
Revidar às ofensas que eventualmente nos fazem não é a
solução do problema. Aprender a amar o próximo como a nós mesmos, da forma que
Jesus nos ensinou, não pressupõe o revide, que é um abominável ato de vingança.
Temos que nos reinventar e aprender a virar a página da
vida para escrever novos capítulos. E para isso, é de bom alvitre que nos
espelhemos nos episódios vivenciados por nossos grandes mestres ao longo da
História. E o protagonista nesse artigo é Allan Kardec, o eminente organizador
do Espiritismo.
Não poderíamos deixar de exaltar a importante data de 09 de
outubro de 1861, pois é de grande representatividade para a Doutrina Espírita. Trata-se
do Auto de Fé de Barcelona.
Cenário desse acontecimento: Praça do Quemadero, Barcelona,
Espanha, local onde eram executados os criminosos condenados à morte.
Data: 09 de outubro de 1861, às 10h30.
“Podem-se queimar os livros, mas não se queimam
as ideias (os espíritos); as chamas da fogueira as superexcitam em lugar de
abafá-las” (Allan Kardec).
Maurice Lachâtre foi, por vontade própria e/ou imposição
dos fatos, o contestador espírita por excelência. Intelectual e editor francês,
achava- se estabelecido em Barcelona com uma livraria, quando solicitou a Allan
Kardec seus livros para divulgá-los na Espanha. Só não contava com a
intolerância do bispo da cidade. Por ordem dele, 300 volumes das obras de
Kardec foram apreendidos e queimados numa grande fogueira. O episódio, conhecido
como o Auto de Fé de Barcelona, apenas serviu para revigorar a coragem do livreiro.(http://lachatre.com.br/ editora.php)
Um bispo, que se instituiu em juiz do que convém ou não
convém à França! A sentença, portanto, foi mantida e executada, sem mesmo
isentar o destinatário das despesas de alfândega, que se teve muito cuidado em
fazê-lo pagar.
Obras queimadas:
A Revista Espírita, diretor Allan Kardec; A Revista
Espiritualista, diretor Piérard; O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec; O
Livro dos Médiuns, idem; O que é o Espiritismo, idem; Fragmento de sonata,
ditado pelo Espírito de Mozart; Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo
doutor Grand; A História de Jeanne d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance
Dufaux; A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo barão
de Guldenstubbé.
Assistiram ao Auto de Fé: Um padre vestido de roupas
sacerdotais, trazendo a cruz numa mão e a tocha na outra; um notário
encarregado de redigir a ata do Auto de fé; o escrevente do notário; um
empregado superior da
administração da alfândega; três serventes da alfândega,
encarregados de manter o fogo; um agente da alfândega, representando o
proprietário das obras condenadas pelo bispo. Uma multidão inumerável lotava os
passeios e a imensa esplanada onde se elevava a fogueira.
Quando o fogo consumiu os trezentos volumes Espíritas, o
padre e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e as maldições dos
numerosos assistentes que gritavam: “Abaixo a inquisição!” Muitas pessoas, em
seguida, se aproximaram da fogueira e recolheram as suas cinzas.
Ato insensato; esse assunto levanta uma séria questão de
direito internacional. Reconhecemos ao governo espanhol o direito de proibir a
entrada em seu território, das obras que não lhe convém, como a de todas
as mercadorias proibidas.
Se essas obras tivessem sido introduzidas clandestinamente
e em fraude, nada haveria a dizer; mas foram expedidas pela via normal e
apresentadas na alfândega; era, pois, uma permissão legalmente solicitada. Esta
acreditou dever referi-la à autoridade episcopal que, sem outra forma de
processo, condenou as obras posteriormente queimadas pelas mãos do carrasco. O
destinatário (Maurice Lachâtre, o Livreiro) pediu, então, para reexportá-las
para o lugar de origem e lhe foi negado. A destruição desse precioso material,
em tais circunstâncias, foi um ato arbitrário e fora do direito comum.
Examinando-se esse assunto do ponto de vista de suas consequências,
a grande maioria opinou que nada poderia ter sido mais positivo para o
Espiritismo, porque despertou a atenção da população que se interessou em
conhecer o conteúdo das obras.
“Podem-se queimar os livros, mas não se queimam
as ideias; as chamas das fogueiras as superexcitam em lugar de abafá-las. As
ideias, aliás, estão no ar, e não há Pirineus bastante altos para detê-las; e
quando uma ideia é grande e generosa, ela encontra milhares de peitos prontos
para aspirá-la. O que se lhe haja feito, o Espiritismo já tem numerosas e
profundas raízes na Espanha; as cinzas da fogueira vão fazê-las frutificar. Mas
não será só na Espanha que esse resultado será produzido, é o mundo inteiro que
lhe sentirá o contragolpe” (Allan Kardec).
Vários jornais da Espanha estigmatizaram esse ato
retrógrado, como o merece:
“Espíritas de todos os países! Não vos
esqueçais desta data de 9 de outubro de 1861; ela será marcada, nos anais do
Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa e não de luto, porque é a
garantia do triunfo!”
Entre as numerosas comunicações que os Espíritos ditaram
sobre esse acontecimento, citaremos apenas as duas seguintes, que foram dadas
espontaneamente na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
“O amor da verdade deve sempre se fazer ouvir:
ela dissipa a névoa, e por toda a parte brilha ao mesmo tempo. O Espiritismo
chegou para ser conhecido por todos; logo será julgado e colocado em prática;
quanto mais houver perseguições, mais depressa esta sublime doutrina chegará ao
seu apogeu; seus mais cruéis inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso,
com isso se surpreendem de maneira que ninguém ignore que Deus permite àqueles
que deixaram esta Terra de exílio de retornar para aqueles que amaram. Tranquilizai-vos;
as fogueiras se extinguirão por si mesmas, e se os livros são lançados ao fogo,
o pensamento imortal lhes sobrevive” (Dollet). Este Espírito
disse ser o de um antigo livreiro do século XVI.
“Era preciso alguma coisa que ferisse, com um
golpe violento, certos Espíritos encarnados para que decidissem ocupar-se desta
grande doutrina, que deve regenerar o mundo. Nada é inutilmente feito sobre a
vossa Terra, para isso, e nós, que inspiramos o Auto de Fé de Barcelona,
sabíamos bem que, assim agindo, faríamos dar um passo imenso para a frente.
Esse fato brutal, inaudito nos tempos atuais, foi consumado para atrair a
atenção dos jornalistas que permaneciam indiferentes diante da agitação
profunda que abalava as cidades e os Centros Espíritas; deixavam dizer e
deixavam fazer; mas se obstinavam em fazer ouvido de mercador, e respondiam
pelo mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. Por bem ou por
mal, é preciso que dele falem hoje; uns, constatando o histórico do fato de
Barcelona, os outros desmentindo-o, deram lugar a uma polêmica que dará volta
ao mundo, e da qual só o Espiritismo aproveitará. Eis por que, hoje, a
retaguarda da inquisição fez seu último Auto de Fé, porque assim o quisemos” (Saint
Dominique, Revista Espírita, novembro de 1861 – Paris, França, por Allan
Kardec).
O Auto-de-fé de Barcelona foi a consagração do Espiritismo.
Literalmente, o seu batismo de fogo.
Mas, a Espanha levantou-se para saber o que era essa Doutrina
que aterrorizava o Clero. A comissão episcopal foi vaiada pelo povo, e assim
que a guarda armada se retirou da praça do Quemadero, onde muitos mártires
tiveram seus corpos incinerados no intuito de salvar as suas almas, o povo
simples recolheu as cinzas dos livros e fragmentos que não foram consumidos
pelas chamas, e levaram para as suas casas.
Um exemplar de O Livro dos Espíritos, carbonizado pela
metade, foi enviado a Allan Kardec, que o guardou como uma doce lembrança. A
violência clerical e o servilismo do Estado, consagrou, também, o livreiro
Lachâtre.
Muitas outras perseguições viriam. Muitas lágrimas ainda
seriam derramadas. É por isso que o movimento espírita tem que respirar
liberdade, tem que ser compreensivo, mas não conivente, porque venceu a
ditadura de Napoleão 3º, a força esmagadora da perseguição religiosa, o orgulho
acadêmico das ciências, o esnobismo filosófico, para firmar-se como Doutrina
consoladora e iluminadora.
Os jornais da época não se mostraram tão moderados e se
pronunciaram, mostrando a tristíssima impressão por esse ato. Citamos apenas um
deles: “Eis o repugnante espetáculo que os homens da união liberal
autorizaram, em pleno século XIX”.
“Quando as cinzas da fogueira foram resfriadas,
notava-se que as pessoas que ali se encontravam, recolhiam as cinzas para conservá-las.
O absolutismo é sagaz; ensaia e pode dar um golpe de autoridade em qualquer
parte; se triunfa, ousa mais, mas também se precipita, cada vez mais, no abismo
para onde corre cegamente; é o que nos faz esperar o efeito produzido em
Barcelona por esse Auto de Fé” (Revista Espírita, dezembro de
1861, Paris, França, por Allan Kardec).
O senhor Lachâtre perguntou a Allan Kardec se queria
recorrer para autoridade superior; mas ele, embora entendesse conveniente
deixar a causa correr à revelia, julgou dever consultar o seu guia espiritual.
Primeira Pergunta: (À
Verdade).
“Sem dúvida, não ignorais o que se passou em
Barcelona com relação às obras espíritas; tereis a bondade de dizer-me se
convém tentar o processo de restituição?
Resposta: Tens
o direito de reclamar a devolução das obras e certamente as terás de volta,
desde que faças a reclamação por intermédio do Ministério das Relações
Exteriores de França; a minha opinião, porém, é que maior bem resultará do Auto
de Fé, que da leitura de alguns volumes. A perda material será grandemente
compensada pela repercussão que terá o ato da queima dos livros — o que
concorrerá para a propaganda da doutrina. Compreendes quanto uma perseguição
tão ridícula e tão retrógrada pode fazer progredir o Espiritismo na Espanha? As
ideias espalhar-se-ão com tanto mais rapidez, as obras serão procuradas com
tanto maior avidez, quanto maior for o escândalo da condenação”.
Segunda Pergunta: “Convém
fazer um artigo no próximo número da Revista?
Resposta: Aguarda o Auto
de Fé de Barcelona. Ele assinalará uma data nos anais do Espiritismo”.
(1- http://www.guia.heu.nom.br/auto_de_fe_de_barcelona.htm)
(2- http://www.espirito.org.br/portal/ codificacao/op/op-48.html)
(3- Livro:”Obras Póstumas 19ª Edição- FEB. ( Kardec- Allan