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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 255



PREGUIÇA - QUANDO DELIBERADA OU PATOLÓGICA?



    Sonia Hoffmann



"Conserva os braços na estufa da preguiça, e terminarás a existência transpirando bolor e inutilidade" (Emmanuel, 2012, p.15).



O modo de ser e de estar de alguém durante sua existência na Terra é amplamente estudado no Espiritismo. Tanto sua conduta laboriosa quanto seu comportamento ocioso, entre vários temas, são abordados com a finalidade da elucidação do processo evolutivo, do entendimento da lei natural de causa-efeito e da interpretação aprofundada da generosidade Divina.


Todas as características e reações são dignas de consideração e análise, pois nos trazem subsídios relevantes à compreensão das diferenças, bem como do momento desenvolvimental do espírito encarnado. Contudo, alguns aspectos, por este ou aquele motivo, são mais comentados e ponderados do que outros, ficando relegados, com o tempo, à comentários passageiros, sendo somente estudados com profundidade quando alguém já os apresenta de forma exacerbada ou patológica.


A preguiça é um exemplo desta condição. Embora esteja com frequência próxima ou já instalada na intimidade do ser, promovendo seus estragos e prejuízos, a sua observação é comumente feita com mais cuidado quando o comportamento preguiçoso avança o limite da tolerância, torna-se um desconforto e gera uma vida caótica e problemática, provocando a corrosão mental, psicológica, social e espiritual, a qual reflete-se na atual encarnação e, até mesmo, em outras existências, devido às marcas registradas no âmago do espírito e no próprio perispírito.


A Espiritualidade Maior indica a ação edificante como instrumento de amadurecimento e progresso, mas adverte no item a da pergunta 574 de O Livro dos Espíritos (Kardec, 2013), que entre eles "também há preguiçosos que recuam diante de uma vida de labor. Deus consente que assim procedam. Mais tarde compreenderão, à própria custa, os inconvenientes da inutilidade a que se votaram e serão os primeiros a pedir que se lhes conceda recuperar o tempo perdido. Pode também acontecer que tenham escolhido uma vida útil e que hajam recuado diante da execução da obra, deixando-se levar pelas sugestões dos Espíritos que os induzem a permanecer na ociosidade”.


Assim, podemos constatar que a preguiça pode se traduzir em autossabotagem, porque, cultivando-a, o homem tece e enreda-se na teia do adiamento da evolução para o futuro. Inerte, ele enfraquece, desvitaliza-se; converte-se em alguém entediado e, perigosamente, deixa-se contentar com prazeres efêmeros e imediatos, anulando o ser racional.


Outra informação contida na resposta à questão feita por Kardec (2013) é a de haver pessoas que efetivamente vivem somente para si mesmas, não sabendo tornar-se úteis ao que quer que seja. Estas pessoas são, como assinalam os Espíritos da Codificação, pobres seres dignos de compaixão, porque duramente expiarão sua voluntária inutilidade, começando-lhes o castigo, muitas vezes, já neste mundo, pelo aborrecimento e pelo desgosto que a vida a eles causa.


Com estas palavras, percebemos o quanto a preguiça traduz um intelecto limitado, de pouco alcance, incapaz de reconhecer as consequências, os danos decorrentes da invigilância e da imprudência. O livre-arbítrio é exercido tola ou inconsistentemente, desvinculado de um planejamento evolutivo ou engessado em algum tipo de mecanismo de defesa.


Este estado não deve ser confundido com períodos de lazer, de descanso, de ócio criativo ou como estratégia de estabilidade ou segurança, pois a preguiça denota forte resistência à mudança, negligência e omissão na busca de solução para qualquer espécie de situações, com tendência à fuga da responsabilidade individual e coletiva. Está constantemente evidenciada pela procrastinação, relutância no esforço de promover alguma modificação, sentimento de desinteresse e apatia, bloqueio emocional como forma de proteção a fatos

desagradáveis, inconvenientes ou dolorosos.


A preguiça, no entanto, nem sempre se caracteriza pela inércia, apatia, indiferença ou devaneio. Muitas são as pessoas preguiçosas que, por já terem provavelmente alcançado o estágio do semidespertamento e de um possível entendimento primitivo da armadilha na qual se deixaram prender, apresentam explosões emocionais fugazes e estéreis de agressividade, de arrependimento, de indignação. Contudo, o medo da responsabilização, o sentimento de menos-valia e a máscara da pseudo-humildade, ingenuidade e timidez ainda persistem. Neste caso, é comum o preenchimento do tempo com atividades sem importância ou significação porque, deste jeito, elas aliviam-se dos seus temores com a falsa ideia de uma ocupação efetiva e responsável, porém, na verdade, improdutiva.


Diversas são as causas para a instalação da preguiça, tais como o sentimento de incapacidade ou inferioridade, desvalorização da vida, ambiente desestimulante ou medíocre, superproteção, sintoma de alguma doença (anemia, depressão...), alteração de metabolismo e, de acordo com o esclarecimento trazido pelos Espíritos à indagação apresentada pelo codificador da Doutrina Espírita, a influência nociva de encarnados e desencarnados para a ociosidade e a futilidade consiste outro motivo propulsor da estagnação. Por tais razões, é aconselhável análise séria da causa de uma postura preguiçosa para serem evitadas rotulações nem sempre condizentes ao puro e simples comodismo estéril.


O tédio constante, unido à passividade, como relatam Jaume Soler e María Conangla (2011), pode ser um indicativo que a curiosidade morreu e, assim, a pessoa está sem energia para explorações e novos conhecimentos. Com a morte da curiosidade, esvai-se o impulso necessário para as descobertas, surgindo o abatimento, o cansaço ou a tristeza do coração, que torna o homem desmotivado e até preguiçoso. As raízes do abatimento, então, podem estar em uma curiosidade sem a possibilidade de ser satisfeita, gerando-se primeiramente a tristeza e, mais adiante, a depressão e o desespero.


Entretanto, toda doença ou desequilíbrio têm seu remédio, tratamento e educação, a preguiça também tem seu antídoto e corrigenda: o trabalho como ação útil. Contudo, é preciso cuidado para evitar a queda no extremismo, pois, como refere Joanna de Ângelis (2014) no livro O ser consciente: "certamente não se deve viver para a ociosidade dourada, tampouco, exclusivamente para a atividade estressante. Há todo um rico arsenal desportivo, um infinito painel de belezas naturais convidativas, um sem-número de estesias mediante a leitura, a arte, a conversação, um abençoado campo de idealismo através da prece, da meditação, do controle da mente, que se constituem tônicos revigorantes para as ações geradoras da felicidade e dos quais todos podem e devem dispor quanto aprouver. Esses interregnos nas atividades, enriquecidos de prazeres mais amplos, são estímulos para a criatividade, a libertação de cargas psicológicas compressivas, a autorrealização. Essa busca, do self profundo, deve superar e mesmo arrebentar as resistências inibidoras, o sentimento de culpa, cujas energias serão canalizadas para a conquista da felicidade" (p.93).


Assim, a preguiça deliberada poderá ser um entrave momentâneo no processo evolutivo, mas igualmente servir como alarme de que algo não segue adequadamente o seu rumo quando um comportamento preguiçoso se instala por causas patológicas.


Referências


ÂNGELIS, Joanna de (Espírito). O ser consciente. Psicografia de Divaldo P. Franco. Salvador: LEAL, 2014. Série Psicológica Joanna de Ângelis, v. 5.


EMMANUEL (Espírito). Religião dos Espíritos. Psicografia de Francisco C. Xavier.

Brasília, DF: FEB, 2012. Cap. 9: Mais. Formato eletrônico.


KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 93. ed. Brasília, DF: FEB, 2013.


SOLER, Jaume; CONANGLA, María Mercé. Ecologia emocional. Rio de Janeiro: Best Seller, 2011.