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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 263


ABORDAGEM ESPÍRITA DO ANO-NOVO


Sonia Hoffmann



A transição de um período de 365 dias para outro é celebrada na cultura ocidental com a festividade do Ano-Novo, sendo utilizada a expressão réveillon que significa, no francês, despertar. Interessante este significado, pois nos conduz a um processo de reflexão, de análise de tudo aquilo feito ao longo do ano e, para muitas pessoas, a reformulação de condutas e elaboração de diferentes planos ou metas.


Zigmunt Bauman (2011), em sua obra 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, questiona o que verdadeiramente celebramos na véspera do momento mágico entre 31 de dezembro e 1º de janeiro, especialmente na meia-noite considerada diferente de todas as outras do ano que acaba? Para este autor, é uma pergunta difícil de responder, se pararmos para pensar, pois afinal estes dois dias, em sua essência, são incrivelmente semelhantes: ambos continuam contendo 24 horas ou 1.440 minutos cada um, separados por uma distância temporal igual a que separa quaisquer outros dias consecutivos. Segundo Bauman, há nada demais com exceção da sensação de alguém ter ou não ter cumprido alguma coisa que sentia necessidade de cumprir, é uma impressão conferida a esse dia (mais que a qualquer um outro): a sensação de ter fechado um capítulo e a abertura de novo, talvez completamente diferente do anterior. É a sensação de virar a página de problemas e preocupações que agora já são parte do passado e melhor enterrá-las ou esquecê-las. É também um sentimento de dar um começo a um novo tempo que preferencialmente seja diferente daquele que passou - um futuro ainda flexível, tenro, dócil e obediente à nossa vontade, um tempo no qual nada ainda foi perdido e tudo (ou quase tudo) ainda está por ser conquistado. Talvez um tempo imune aos problemas já enfrentados e às preocupações pelas quais já enfrentamos. Ou seja, é o começo de algo completamente diferente. É a Celebração da possibilidade de minimizar perdas e começar novamente, de tal forma que nos permita deixar para trás e para sempre o lastro indesejado; a possibilidade de fazer do passado algo verdadeiramente passado porque não o podemos mudar, nos abrindo para um futuro como um tempo que realmente seja futuro (no qual tudo é possível). No Ano-Novo, diz Bauman, celebramos nossas esperanças de que, pelo menos desta vez, elas não sejam nem frustradas ou destruídas, ao contrário das provações e atribulações sofridas. Planejamos determinadas realizações que não esmoreçam ou definhem como no passado. O Ano-Novo representa, simbolicamente, a festa anual da ressurreição das esperanças. Cantamos e dançamos para saudar o renascimento de esperanças, ainda firmes, intransigentes e imunes ao descrédito e ao menosprezo.


Com uma abordagem espírita deste evento, passamos a entender que tanto examinações quanto reformulações não precisam e nem devem ficar somente para um final de ciclo. Santo Agostinho, na questão 919 de O Livro dos Espíritos (Kardec, 2013), nos incentiva para a realização desta prática todos os dias, a fim de que possamos aproveitar ao máximo e quanto possível a reencarnação e a proposta evolutiva concedida pedagogicamente pela Misericórdia Divina a cada ser. O trabalho, entendido como toda e qualquer ação útil, deve ser continuado, a transformação moral é algo a ser burilada diariamente e a tarefa da (re)educação de nossas péssimas inclinações não acontece pela simples mudança de datas de um calendário.


Em concordância com o posicionamento de Emmanuel (2019), a Sabedoria da Vida colocou "o Natal de Jesus frente do Ano Novo, na memória da Humanidade, como que renovando as oportunidades do amor fraterno, diante dos nossos compromissos com o Tempo. Projetam-se, anualmente, sobre a Terra os mesmos raios excelsos da Estrela de Belém, clareando a estrada dos corações na esteira dos dias incessantes, convocando-nos a alma, em silêncio, à ascensão de todos os recursos para o bem supremo. A recordação do Mestre desperta novas vibrações no sentimento da Cristandade. Não mais o estábulo simples, nosso próprio espírito, em cujo íntimo o Senhor deseja fazer mais luz... Santas alegrias nos procuram a alma, em todos os campos do idealismo evangélico. Natural o tom festivo das nossas manifestações de confiança renovada, entretanto, não podemos olvidar o trabalho renovador a que o Natal nos convida, cada ano, não obstante o pessimismo cristalizado de muitos companheiros, que desistiram temporariamente da comunhão fraternal. É o ensejo de novas relações, acordando raciocínios gelificados, com as notas harmoniosas do amor que o Mestre nos legou. É a oportunidade de curar as nossas próprias fraquezas, retificando atitudes menos felizes, ou de esquecer as faltas alheias para conosco, restabelecendo os elos da harmonia quebrada entre nós e os demais, em obediência à lição da desculpa espontânea, quantas vezes se fizerem necessárias. É o passo definitivo para a descoberta de novas sementeiras de serviço edificante, através da visita aos irmãos mais sofredores do que nós mesmos e da aproximação com aqueles que se mostram inclinados à cooperação no progresso, a fim de praticarmos, mais intensivamente, o princípio do "amemo-nos uns aos outros". Conforme a nossa atitude espiritual ante o Natal, assim aparece o Ano-Novo à nossa vida. O aniversário de Jesus precede o natalício do Tempo. Com o Mestre, recebemos o Dia do Amor e da Concórdia. Com o tempo, encontramos o Dia da Fraternidade Universal. O primeiro renova a alegria. O segundo reforma a responsabilidade. Comecemos oferecendo a Ele cinco minutos de pensamento e atividade e, a breve espaço, nosso espírito se achará convertido em altar vivo de sua infinita boa vontade para com as criaturas, nas bases da Sabedoria e do Amor. Não nos esqueçamos. Se Jesus não nascer e crescer, na manjedoura de nossa alma, em vão os Anos- Novos se abrirão iluminados para nós" (p.15).


A Carta de Ano Novo, outra mensagem de Emmanuel (2010) contida no livro Vida e Caminho, reafirma que "Ano-Novo é também a renovação de nossa oportunidade de aprender, trabalhar e servir. - O tempo, como paternal amigo, como que se reencarna no corpo do calendário, descerrando-nos horizontes mais claros para a necessária ascensão. Lembra-te de que o ano em retorno é novo dia a convocar-te para execução de velhas promessas, que ainda não tiveste a coragem de cumprir. Se tens algum inimigo, faze das horas renascer-te o caminho da reconciliação. Se foste ofendido, perdoa, a fim de que o amor te clareie a estrada para frente. Se descansaste em demasia, volve ao arado de tuas obrigações e planta o bem com destemor para a colheita do porvir. Se a tristeza te requisita, esquece-a e procura a alegria serena da consciência feliz no dever bem cumprido. Novo Ano! Novo Dia! Sorri para os que te feriram e busca harmonia com aqueles que te não entenderam até agora. Recorda que há mais ignorância que maldade, em torno de teu destino" (p.20).


Assim, o que podemos fazer despertar em nós como aproveitamento desta data demarcatória de um ciclo anual é o quanto nos é ofertada mais uma chance de recalcular nossa rota, utilizando o GPS da vida - gentileza, perdão e solidariedade - para novamente (re)confirmar a necessidade extrema da conscientização profunda quanto a responsabilidade de cada um na pacificação das relações humanas, entendendo quem somos e o que é esperado individual e coletivamente das humanidades.



Referências


BAUMAN, Zigmunt. Fantasmas de Ano-Novo: do que passou e dos que virão. In: BAUMAN, Zigmunt. 44 Cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Cap. 26.


EMMANUEL (Espírito). Carta de Ano-Novo. In: VIDA e caminho. Psicografia de Francisco C. Xavier. São Paulo, Ed. GEEM, 2010. p. 20.


EMMANUEL (Espírito). O Natal do Cristo. In: EMMANUEL (Espírito). Fonte de paz. Psicografia de Francisco C. Xavier. IDE Ed., 2019.  p.15.


KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 93. ed. Brasília, DF: FEB, 2013. Questão 919.