François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 30
GABRIEL DELANNE : MÉDIUM AOS OITO ANOS
Sob o título Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, narra o insigne Codificador, Allan Kardec, um dos mais lindos casos da coleção da Revista Espírita.
A singeleza do episódio, a naturalidade com que tudo acontece e, especialmente, o eloquente atestado da precoce maturidade de Gabriel Delanne, o protagonista, tornam a leitura deste caso bastante comovedora.
A maneira como Kardec o registra, com minúcias, leva-nos a criar mentalmente a cena inusitada.
Convido o leitor a abrir a Revista Espírita, ano de 1865, em outubro, se a tiver em sua biblioteca, para fazermos juntos essa viagem tão grata.
O mestre lionês inicia citando que o Sr. Alexandre Delanne, já conhecido dos leitores da Revista, tem um filho de oito anos, Gabriel, e que este a todo instante ouve falar do Espiritismo em sua família. Ressalta que o garoto se iniciou cedo na Doutrina e “surpreende pela justeza com que raciocina os seus princípios”. Mas Kardec acrescenta que afinal de contas isto nada tem de surpreendente, “pois é apenas o eco das ideias com que foi embalado”.
Gabriel, por várias vezes assistiu às sessões mediúnicas presididas por seu pai, que as dirigia com perfeita ordem, com método e recolhimento.
Certa vez, o menino se achava em casa de um conhecido, brincando com a priminha de cinco anos e mais dois meninos, um de sete e outro de quatro anos. A senhora que residia no térreo chamou-os e ofereceu-lhes bombons e convidou-os a entrar em sua casa, ao que as crianças atenderam. Estabeleceu-se entre ela e o filho do Sr. Delanne o seguinte diálogo:
- Como te chamas, meu filho?
-Eu me chamo Gabriel, senhora.
- Que faz teu pai?
- Senhora, meu pai é espírita.
- Não conheço esta profissão.
- Mas, senhora, não é uma profissão; meu pai não é pago para isto, ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.
- Meu rapazinho, não sei o que queres dizer.
- Como! Jamais ouvistes falar das mesas girantes?
- Então, meu amigo, bem gostaria que teu pai estivesse aqui para as fazer girar.
- É inútil, senhora, eu tenho, eu mesmo, o poder de as fazer girar.
- Então queres experimentar e me fazer ver como se procede?
- De boa vontade, senhora.
O menino e seus coleguinhas sentam-se ao redor da mesa, pondo as mãos em cima. Gabriel faz uma evocação, em tom muito sério e com recolhimento. Para surpresa geral a mesa moveu-se e bateu com força. A pedido do menino, a dona da casa pergunta quem está ali e a mesa soletra: teu pai.
A senhora muito emocionada, passa a interrogá-lo a respeito de uma carta que acabara de escrever. Pede provas de que era mesmo o pai propondo questões íntimas e todas as respostas foram corretas. As revelações foram demais e ela não consegue prosseguir, dominada pela emoção.
Kardec extrai a seguir algumas conclusões deste caso: a autenticidade, a questão da mediunidade nas crianças e a realização das palavras proféticas “vossos filhos e vossas filhas profetizarão.”
Por nosso lado surgem também algumas reflexões em torno desse lindo caso de Gabriel Delanne.
É oportuno, antes de prosseguirmos, apresentar aos leitores algumas informações acerca da vida desse menino, que conheceu o Codificador do Espiritismo e com ele conviveu.
Nasceu Gabriel Delanne em Paris, a 23 de março de 1857, filho de Alexandre Delanne e da Sra. Marie-Alexandrine Didelot Delanne. Seu pai era amigo e colaborador de Kardec e sua mãe possuía excelentes dotes mediúnicos. Gabriel tornou-se, quando adulto, engenheiro eletricista.
Ao contar suas lembranças infantis, Gabriel menciona que, certa vez, Kardec, pondo-o sobre os joelhos, abraçou-o e profetizou que ele seria “um sacerdote do Espiritismo”, ao que Gabriel esclareceu: “Não fui bem um ‘sacerdote’, mas tenho a presunção de que fiz o possível em minhas forças para bem servir à Doutrina, no setor que me coube. (...) Nada tenho dilatado. Tudo o que há, é de Kardec. Apenas tenho feito constatações.”
Na realidade Gabriel Delanne foi o “gigante do Espiritismo científico”, na feliz expressão do escritor Sylvio Brito Soares, de cujo artigo extraímos os dados biográficos.
A obra literária de Delanne apresenta o resultado de suas pesquisas. São fatos investigados e confirmados. Citamos: O Espiritismo perante a Ciência (1885); O Fenômeno Espírita (1893); A Evolução Anímica (1895); Pesquisas sobre a Mediunidade (1898); A Alma é Imortal (1899) e, por último, A Reencarnação (1925).
Gabriel Delanne desencarnou em 15 de fevereiro de 1926. Cinco meses antes, em setembro de 1925, quando da realização do Congresso Espírita Internacional, ao ser lido o discurso de Delanne, este surpreendeu os psiquistas de vários países com suas palavras iniciais : “Roguemos para os nossos trabalhos a bênção divina, pois que é nela que reside todo o poder, toda ciência, toda justiça, toda bondade e todo amor.”
Interessante assinalar que não se tem notícia de que Delanne haja prosseguido na prática mediúnica. É que sua missão tinha como finalidade dar uma importante contribuição na área científica, e aquele era o momento certo para isso. Neste caso, a mediunidade sendo canalizada para uma outra forma de atuação, torna-se intuitiva.
Delanne era espírita convicto, de formação científica, apto, portanto, a enveredar pelos campos da Ciência, onde iria realizar, através de suas pesquisas, a comprovação das teorias espíritas. O que ele realmente fez, com total dedicação, no intuito de evidenciar o aspecto científico do Espiritismo.
Assim, no seu primeiro livro, O Espiritismo perante a Ciência, apresenta alguns dos princípios básicos da Doutrina Espírita, confrontando-os com as respectivas afirmativas cientificas em áreas correspondentes, e além de comprová-los, evidencia que transcendem esses parâmetros. As suas obras subsequentes seguem a mesma linha, num importante trabalho que hoje, um século depois, ainda é bastante valioso para os que se propõem a estudar o Espiritismo, causando-nos profunda admiração e respeito por esse fiel colaborador de Allan Kardec.
Não se deve, todavia, inferir do episódio mediúnico de Gabriel Delanne, aos oito anos, que seja este um exemplo a ser seguido e que se deva incentivar o desenvolvimento da faculdade em crianças, mesmo aquelas que apresentem natural e espontânea propensão mediúnica.
Existem aqui alguns pontos a considerar. Inicialmente, examinemos o capítulo XVIII de O Livro dos Médiuns – Inconvenientes e perigos da mediunidade – cujo título por si só é um chamado de alerta. É exatamente aí que Kardec insere a questão da mediunidade infantil.
Vejamos o que dizem os Instrutores espirituais Erasto e Timóteo, sobre o assunto proposto pelo Codificador.
No item 221, 6ª questão, ele pergunta:
“Haverá inconveniente em desenvolver-se a mediunidade nas crianças?
“Certamente e sustento mesmo que é muito perigoso, pois que esses organismos débeis e delicados sofreriam por esta forma grandes abalos, e as respectivas imaginações excessiva sobre-excitação. Assim, os pais prudentes devem afastá-las dessas ideias, ou, quando nada, não lhes falar do assunto, senão do ponto de vista das consequências morais.”
Kardec comenta no item 222:
“A prática do Espiritismo, como veremos mais adiante, demanda muito tato, para a inutilização das tramas dos Espíritos enganadores. Se estes iludem a homens feitos, claro é que a infância e a juventude mais expostas se acham a ser vítimas deles.”
Explica ainda que as crianças podem fazer disso uma brincadeira.
“Por aí se vê (prossegue) que a questão da idade está subordinada às circunstâncias, assim de temperamento, como de caráter.”
O mestre lionês, insistindo no tema, argumenta que existem crianças que são médiuns naturais, perguntando se isto apresentaria algum inconveniente. Os Benfeitores Espirituais esclarecem que não; que se a faculdade se mostra espontaneamente é que a natureza da criança se presta a isto, tanto é que ela não se impressiona, pois tudo lhe é natural e logo se esquece do fato.
Depreende-se que o desenvolvimento e o exercício da mediunidade é que não devem ser tentados ou provocados, pois causariam danos de ordem psicológica ou outra qualquer, dependendo da criança e de sua formação.
Com Gabriel Delanne o ocorrido foi resultado de um impulso espontâneo, do seu desejo de evidenciar para aquela amável senhora a realidade do Espiritismo e do intercâmbio com os Espíritos. Deve-se levar em conta o mérito dela, pois Delanne, certamente, agiu sob a inspiração do Alto, a fim de atender a uma circunstância previamente programada. Outro aspecto fundamental é a precoce maturidade espiritual do menino, que Kardec intuiu, ao prever que ele se tornaria “um sacerdote do Espiritismo”, querendo dizer que Delanne dedicaria sua vida à causa espírita, de forma abnegada, como um verdadeiro sacerdócio. O que de fato aconteceu.
A lógica argumentação deste autêntico missionário da Terceira Revelação ressalta de cada um de seus livros, referendada, como é óbvio, pelas pesquisas que empreendeu, o que lhe assegura a credibilidade. São bem atuais as suas conclusões filosóficas, resultantes dos fatos comprovados, tal como agiu Allan Kardec em relação à Codificação.
Conheçamos um pouco do pensamento de Gabriel Delanne, em alguns trechos da obra O Espiritismo perante a Ciência, quando ele disserta com beleza e propriedade:
“Que nova luz traz o Espiritismo! Não há mais dolorosas incertezas sobre o nosso futuro; o além misterioso, velado sob as ficções das religiões, aparece-nos em toda sua realidade. Não mais inferno, não mais céu, mas a continuação da vida, que prossegue no tempo e no espaço, eterna como tudo o que existe. A perene ascensão para destinos sempre mais elevados, eis a verdadeira felicidade. (...)
Não há mais dogmas, não há mais coisas incompreensíveis, senão uma harmonia sublime que se revela nos menores detalhes dessa imensa máquina que se chama Universo! E a satisfação profunda por perceber qual é, em suma, a nossa finalidade na Terra, é o resultado do estudo atento das manifestações espíritas.”
Ele explana acerca de dois pontos básicos do Espiritismo, sendo o primeiro deles a existência de Deus e afirma que nEle se resumem todas as perfeições, levadas ao infinito. E ressalta:
“Foi-se o tempo em que se concebia Deus como potência implacável e vingadora, condenando eternamente o homem pela falta de um momento.(...) O Deus que compreendemos é a infinita grandeza, o infinito poder, a infinita bondade, a infinita justiça! É a iniciativa criadora por excelência, a força incalculável, a harmonia universal! Deus é a vida imensa, eterna, indefinível.
O segundo ponto básico é a existência da alma e ele esclarece que o Espiritismo ensina que Deus fez todos os Espíritos iguais e os dotou de iguais faculdades para chegarem ao mesmo fim – a felicidade:
“É o eu consciente que adquire, por sua vontade todas as ciências e todas as virtudes, que lhe são indispensáveis para elevar-se na escala dos seres. (...) Longe de considerar-se como os habitantes exclusivos do pequeno Globo, o Espiritismo demonstra que devemos ser os cidadãos do Universo. (...)
Nossa filosofia enriquece o coração, ela considera os infelizes, os deserdados do mundo como irmãos a quem devemos socorrer. O Espiritismo destrói completamente o egoísmo. É pelo auxílio mútuo que adquirimos as virtudes indispensáveis ao nosso adiantamento espiritual.”
Deixemos com esse fiel continuador de Kardec a palavra final:
“A ciência espírita tem um fim mais nobre, mais grandioso, seu principal objetivo é demonstrar a existência da alma depois da morte; alcançasse somente esse resultado e as consequências daí decorrentes, sob o ponto de vista moral e social, seriam já consideráveis. Mas não se limitam a isso seus benefícios. Ela nos fornece informações seguras sobre a outra vida, permite-nos compreender a bondade e a justiça de Deus, dá-nos a explicação de nossa existência na Terra, numa palavra, é a ciência da alma e de seu destino.”
(Publicado na revista REFORMADOR, de setembro de 1999, pág. 20)