François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 76
Generosidade - faceta do amor,
conquista evolutiva
Por Sonia Hoffmann
"Bem-aventurados
os que edificam as sendas do próximo, sem que o próximo lhes conheça a
generosidade" (Veneranda, Dicionário da Alma).
A generosidade
consiste segura rede de proteção contra o egoísmo, a avareza, o apego. Ela
representa a ponte para o amor, sendo a virtude da disponibilidade, do
compartilhamento, da doação e do dar-se.
Como prática do bem,
a generosidade focaliza primeiramente o outro e depois o eu, sem espera de
pagamento ou recompensa, pois se manifesta quando alguém deseja para seu
próximo a aproximação da satisfação e da felicidade, aplicando dedicadamente o
emprego de suas energias contidas no pensamento, na ação.
A atitude generosa
não depende da condição financeira, social, familiar, profissional ou de
qualquer outra situação materializada, por ser um ato de transferência no qual
o seu próprio eu é ofertado ou distribuído pela atenção, escuta, tempo,
preocupação. Neste momento, nem tão somente a sobra é concedida, mas igualmente
a melhor parte é repartida e disponibilizada ao ponto de retirar de si quando
necessário.
Quem expressa a
generosidade não oferece sempre e somente para o outro o preenchimento da
falta, da carência, da precariedade: disponibiliza a ele inclusive aquilo que o
regozija, que o torna feliz. O ato generoso nem sempre atende apenas a
utilidade: muitas vezes, basta ser agradável, empático, consciente da diferença
existente na singularidade do ser humano.
No entanto, este
doar-se subjetivo ainda não é, em nosso atual estágio de evolução, uma virtude
manifesta com todos e a qualquer episódio. Apesar de solicitar espontaneidade,
ser livre e genuína, ela pode ser canalizada para alguns e raramente para toda
a coletividade. Bom será quando cada um for capaz de ser sempre naturalmente
generoso, sem fronteiras ou condicionamentos.
Quando somada à
coragem, a generosidade traz o heroísmo; junto à justiça, ela promove e
valoriza a equidade, o ser justo nas oportunidades e nas estratégias de
conquista; ligada à compaixão, gera a benevolência e o bem-estar; quando aliada
à doçura, a generosidade se torna o ápice de bondade. Está sempre acompanhada
pela cortesia, solicitude, afabilidade porque, como sugere André
Comte-Sponville no seu livro Pequeno tratado das grandes virtudes, o generoso é
liberto de si, de suas ínfimas covardias, pequenas posses, diminutas cóleras,
de seus ciúmes mais exíguos.
O propósito da
generosidade está sempre relacionado à conquista do bem-estar momentâneo ou
prolongado, constituindo-se o melhor investimento praticado por alguém para
prevenir ou desfazer a armadilha da miserabilidade material ou emocional de
outrem. Portanto, ela não age necessariamente no âmbito do material (dinheiro,
objetos, vestuário, entre outros).
Neste sentido, pelo
menos quatro formas de generosidade são apontadas: - compartilhamento de
ensinos e atitudes geradores de paz interior, de acordo com o comportamento
filosófico, cultural e valorativo do outro; - oferecimento de recursos
financeiros, intelectuais, afetivos e morais; - oferecimento de proteção,
conforto espiritual, moral e emocional, e estímulos de coragem e iniciativa; -
oferecimento do tempo, da espera, da escuta, da companhia, do caminhar com, do
apoio, de emissões energéticas favoráveis.
A generosidade em
família, especialmente parental (pais), consiste em um modelo com riqueza de
detalhes desta virtude, porque é a que mais se aproxima da delicadeza do gesto
amoroso. Se constrói nos alicerces do vínculo, da relação afetiva e respeitosa
gerada pela confiança, dádiva e da circulação por transitar, se transmitir,
propagar-se e renovar-se continuamente, unindo-se na subjetividade.
A
alegria com o sucesso de alguém na execução da tarefa a que se propõe, o
aconchego de um abraço, de um sorriso amistoso, de um olhar amigável ou o
incentivo à aceitação do desafio, quando é conhecida a verdadeira competência
do outro, exemplificam igualmente a generosidade, pois acontece uma ligação ao
outro pela confiança, presenteando-o com o afeto, com a energia, com a
credibilidade a qual reúne e reproduz, talvez em outro tempo, outra
circunstância ou com outra pessoa, uma nova aliança e outro fluxo de energia e
vibração . O mesmo se pode atribuir à generosidade da discordância com a
conduta ou com a decisão de alguém, quando tal for necessário, justamente
porque neste desacordo, e mesmo na conciliação, também podemos passar para o
outro que ele é capaz e livre para tomar suas decisões, assim como nós o somos
e, portanto, a relação de confiança e credibilidade novamente se faz presente.
No prefácio do livro
Cidadela, escrito por Antoine de Saint-Exupéry, encontramos que aquilo
importante não é visto pela pessoa... Trata-se de uma realidade duradoura, que
nenhum poder ou prazer pode arrancar ao homem: essa realidade não é o que se
recebe ou se tem, mas o que se dá. Eis porque Saint-Exupéry anatematiza ou
condena todos os "sedentários do coração". O amor é mais do que uma
reserva, um exercício do coração doando-se.
Portanto, fica
evidenciado que cada um é, na realidade, aquilo que sente e vivencia em si, no
seu íntimo. Mesmo utilizando máscaras, aparências, subterfúgios, seremos sempre
o nosso eu interior e não estaremos sendo generosos para conosco se tentarmos
negar este eu. Assim agindo, estaremos negando a nós a chance da reeducação, do
resgate, do constituir-se. Aqui, então, estaremos nos desviando da rota
evolutiva moral e intelectual.
Cada vez que nos
oferecemos uma nova chance de continuidade, de recomeço, de erguimento pelo
nosso próprio esforço, estamos cultivando a generosidade para conosco e
desenvolvendo a habilidade da autoestima. Esta autogenerosidade é tão importante
quanto aquela projetada ao outro, ao exterior, ao mundo. Sendo Deus o nosso
criador, sem o exercício da autogenerosidade estaremos infringindo a Sua Lei e
colocando em dúvida a Sua criação.
Tal importância fica
potencializada na reflexão decorrente do pensamento de Carl Jung quando ele
menciona ser de grande importância trazer um mendigo para sentar-se à mesma
mesa, perdoar ao ofensor e esforçar-se por amar o inimigo ou adversário,
fazendo tudo em nome de Cristo com tal profunda virtude porque o que é feito ao
menor dos irmãos é feito ao próprio Jesus. Ele acrescenta: contudo, o que
acontecerá, se alguém descobre que o menor, o mais miserável de todos, o mais
pobre dos mendigos, o mais insolente dos caluniadores, o maior inimigo reside
no íntimo do ser e precisa ser amado? Sendo assim, convém também olhar-se e
amar-se ponderadamente.
Deste modo, é
significativo o entendimento da aceitação incondicional da criatura ainda
imperfeita, que cada um é, como um ato de generosidade para conosco e para com
o outro, porque assim como nos constituímos e nos construímos a partir dele,
este outro também se organiza a partir de nós. Somos espelhos de espelhos
refletindo seres em evolução, convivendo com recomeçares, desastres, avanços,
acidentes, sucessos, incidentes... aprendizes da flexibilidade do viver.
Porém, tudo isto
somente será possível com a (auto)generosidade que percebe e reconhece os
grandes e pequenos, discretos, ocultos infortúnios os quais somente ela sabe
descobrir, sem a necessidade de ser esmolada, mendigada ou exigida.
Generosidade é um
elo, um caminho para a obtenção da grande virtude: o amor. Busquemos esta
conquista em nós, mas estejamos sempre alerta porque generosidade não aceita nem
hipocrisia nem faz de conta: ou somos ou não somos generosos no instante
evolutivo no qual vivemos.