François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 80
O grande Pensador Léon Denis (parte V)
Edson Ramos de Siqueira
Léon Denis nos deixou obras literárias magníficas. Uma
delas ficou marcada por ter estimulado a conversão ao Espiritismo do célebre
Eurípedes Barsanulfo, Espírito de elevado grau de evolução, realizador de
grandiosa e exemplar obra nos campos educacional e social.
Trata-se do livro “Depois da Morte”, o primeiro publicado
por Léon Denis, em 1890.
Na obra “Eurípedes – o Homem e a Missão”, sua autora,
Corina Novelino, narrou o ocorrido durante
a visita que Mariano da Cunha (tio Sinhô), tio de Eurípedes, fizera a Sacramento em
1903. Como sempre fazia, hospedou-se na casa de sua irmã Jerônima, a mãe de
Eurípedes.
Tio Sinhô era espírita, e Eurípedes, apesar de católico,
costumava conversar bastante com ele sobre a Doutrina; gostava de questionar e
polemizar. As discussões entre os dois, apesar de respeitosas, duravam muitas
horas, e tio Sinhô tinha dificuldade em contrapor os argumentos de Eurípedes,
contrários ao Espiritismo.
Mas, na referida visita, tio Sinhô mudou a estratégia.
Vejamos a narração de Corina Novelino:
“Como sempre, Eurípedes recebera o tio Sinhô com
sinceras demonstrações de júbilo. À noite, como de costume, o moço iniciara a
conversa...
O tio parecia dominado por estranho poder de persuasão.
Dir-se-ia a antecipação de um triunfo, há muito sonhado. Às primeiras
investidas do sobrinho, mostrou-se sóbrio...
Naquela noite, Eurípedes esforçava-se – mais que de
costume – por envolver o tio nas malhas de brilhante argumentação. Quando o
moço concluiu, tio Sinhô retira do bolso da casaca um livro e lhe coloca nas
mãos, e torna com a simplicidade característica:
- O que não posso explicar a você, este livro vai fazer
por mim.
Eurípedes tomou o volume e abriu-o na primeira página.
Era a tocante dedicatória do autor – o filósofo francês Léon Denis – para
entidades benfeitoras que o haviam inspirado, no esquema e na estrutura do
livro.
-
Isto é muito bonito e profundo – diz Eurípedes – espelhando no olhar brando,
indisfarçável interesse.
Tio Sinhô acomodara-se, algo cansado.
No outro lado, o sobrinho começara a leitura, já à luz
frouxa de um lampião a querosene.
Ao clarear do dia imediato, o moço brindou o coração do
bom Mariano da Cunha com alegre exclamação:
- Muito obrigado, meu tio! Isto é um monumento!
Eurípedes lera toda a obra naquela noite memorável e
confessava-se plenamente empolgado com a lógica expressivamente convincente do
autor. Trezentas e trinta e quatro páginas repletas de interesse”.
A seguir, transcrevo as palavras de Léon
Denis, que impactaram Eurípedes logo no início de sua leitura.
“Vi, deitadas nos seus sudários de pedra ou de areia,
as cidades famosas da Antiguidade, Cartago, com brancos promontórios, as
cidades gregas da Sicília, o campo de Roma, com seus aquedutos trincados e
túmulos abertos, as necrópoles que dormem seu sono de vinte séculos sob a cinza
do Vesúvio. Vi os últimos vestígios das cidades antigas, outrora formigueiros
humanos, hoje, ruínas desertas que o sol do Oriente calcina com suas ardentes
carícias.
Evoquei as multidões que se agitaram e viveram nesses
lugares; vi-as desfilar diante do meu pensamento, com as paixões que as
consumiram, seus ódios, seus amores, suas ambições desfalecidas, seus triunfos
e seus reveses, fumaças levadas pelo sopro dos tempos. E disse a mim mesmo: eis
no que se transformam os grandes povos, as capitais gigantes: algumas pedras
amontoadas, montes desolados, sepulturas ensombreadas por raquíticos vegetais,
nos ramos dos quais, o vento da tarde lança seu lamento. A História gravou as
vicissitudes (adversidades) da sua existência, suas
grandiosidades passageiras, sua queda final, mas a terra tudo encobriu. Quantas
outras, cujos nomes são até desconhecidos; quantas cidades, raças, civilizações
jazem para sempre sob o lençol profundo das águas, na superfície dos continentes
tragados!
E me perguntava: por que essa agitação dos povos da
Terra, por que estas gerações que se sucedem como camadas de areia trazidas,
incessantemente, pela vaga (onda) para recobrir as camadas que as
precederam; por que esses trabalhos, essas lutas, esses sofrimentos, se tudo
deve conduzir ao túmulo? Os séculos, esses minutos da eternidade, viram passar
nações e reinos e nada ficou de pé. A esfinge tudo devorou.
Na sua correria, para onde vai, então, o homem? Para o
nada ou para uma luz desconhecida? A Natureza sorridente, eterna, enquadra nos
seus esplendores os tristes restos dos impérios. Nela, nada morre, senão para
renascer. Leis profundas, uma ordem imutável preside suas evoluções. O homem,
com suas obras, é o único destinado ao nada, ao esquecimento?
A impressão produzida pelo espetáculo das cidades mortas,
encontrei-a, mais pungente, diante do frio despojo de meus próximos, daqueles
que partilharam da minha vida.
Um
daqueles que você ama vai morrer. Debruçado sobre ele, o coração apertado, você
vê estender-se, lentamente, sobre seus traços a sombra do Além. O fogo interior
lança apenas pálidas e trêmulas luzes; e eis que se enfraquece ainda mais,
depois se apaga. E agora, tudo o que, nesse ser, atestava a vida, esse olho que
brilhava, essa boca que emitia sons, esses membros que se agitavam, tudo está
velado, silencioso, inerte. Sobre esse leito fúnebre, há somente um cadáver!
Que homem não se perguntou sobre a explicação desse mistério e, durante o
velório, nesse colóquio (conversa entre duas ou mais pessoas)
solene com a morte, pôde não pensar no que o aguarda a si próprio? Este
problema nos interessa a todos, pois todos nos submeteremos à lei. Importa-nos
saber se, a essa hora, tudo está terminado, se a morte é apenas um melancólico repouso
no aniquilamento ou, ao contrário, a entrada numa outra esfera de sensações.
Mas,
em toda parte, problemas se levantam. Em toda parte, no vasto teatro do mundo,
dizem certos pensadores, o sofrimento reina soberano, em toda parte, o aguilhão
(vara
com ponta de ferro afiada) da necessidade e da dor estimula a roda sem
freio, a oscilação terrível da vida e da morte. De toda parte, eleva-se o grito
de angústia do ser que se precipita no caminho que conduz ao desconhecido. Para
ele, a existência parece apenas um perpétuo combate; a glória, a riqueza, a
beleza, o talento, reinados de um dia. A morte passa, abate essas flores
brilhantes e deixa somente hastes sem frescor. A morte é o ponto de
interrogação colocado, constantemente diante de nós, a primeira das perguntas
inumeráveis, cujo exame preocupou, causou o desespero das idades, a razão de
ser de uma multidão de sistemas filosóficos.
Observações:
1)
A continuação deste artigo (parte VI) será
publicada na semana 83, no dia 26/6.
2) As partes I, II, III e IV, estão publicadas nas semanas 68, 71, 74 e 77, respectivamente.