François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.
Semana 92
Por Sonia Hoffmann
Inclusão
significa libertação, construção conjunta de cidadania e rompimento de
preconceitos, subjugações e desvalorização. Neste sentido, trazer para este
tema Bezerra de Menezes, é apresentar a amplitude de tal processo e atitude
ética.
Adolfo
Bezerra de Menezes Cavalcanti, muito conhecido por sua trajetória gloriosa como
Médico dos Pobres, político e Kardec brasileiro, mas pouco reconhecido como
missionário abolicionista integrante indireto das equipes de trabalho do
Imperador Dom Pedro II e Princesa Isabel. Bezerra colaborou magnificamente
nesta nobre missão brasileira de libertação dos escravos e de uma raça tão
oprimida em nosso país.
A
obra "A Escravidão no Brasil e as Medidas que Convém Tomar para
Extingui-la Sem Dano para a Nação", escrita por ele em 1869 e publicada
pela Tipografia Progresso, é valioso legado abolicionista editorial. Como
precursor da Lei do Ventre Livre, proposta na referida obra, ele apontou a
escravidão como "lepra social", apresentando alternativas para o
legítimo exercício da cidadania. Humanitário, lutou arduamente para libertar
escravos não só da escravidão, mas também da corrupção de que eram vítimas.
Conforme
seu pensamento e declaração, "as questões sociais, do mesmo modo que as
políticas, não podem ser convenientemente resolvidas senão pela discussão"
(que entendemos como diálogo). Segundo ele, do choque das ideias sai a luz da
verdade, no desencontro das opiniões individuais que se pode basear a síntese
de um verdadeiro sistema, aproveitável à Humanidade. "Nenhuma questão,
segundo penso, reclama tão seriamente a atenção de quem se interessa pelo
bem-estar e futuro do País, como a da emancipação da escravatura",
reclamando uma solução tão pronta quanto maduramente refletida.
“O
cancro (ou
câncer) da escravidão, diz Bezerra, é condenada pela religião santa
da Cruz (igualdade de todos os homens em Deus); condenada pela civilização do
século XIX, a qual firmou o grande princípio da igualdade de todos os homens
perante a lei; condenada pela política ao demonstrar como o braço livre produz
mais e é mais eficaz do que o braço escravo. Refere ainda: essa
lamentável aberração do espírito humano ainda é condenada pela moral,
reclamando em nome da família e da sociedade a sua reabilitação pela pureza dos
costumes e pela prática do bem”.
"...o
Salvador do mundo não derramou seu precioso sangue somente pelos filhos da fortuna,
ou pelos senhores da terra, mas também, e principalmente, pelos desgraçados,
pelos que choram, pelos que têm fome e sede de justiça. Tão desumano modo de
criar, de educar e de tratar o escravo, não produz somente o mal horrendo do
embrutecimento e da degradação moral de uma raça humana; acarreta também consigo,
os maiores e os mais invencíveis perigos que podem ameaçar a paz e a felicidade
das famílias. O escravo, embrutecido pela educação que recebe e pela vida que
leva, não conhece o que seja honra, nem o que seja dever; não conhece a
repressão moral, só obedece à repressão material. Resulta daí que a
prostituição, com todo o cortejo de vícios humanos, é a condição da mulher
escrava; e que o ódio e o desejo ardente, insaciável de vingança, é o sentimento
mais forte do coração do negro para com a raça branca, em geral, e para com seu
senhor, em particular. Da educação da mocidade e principalmente da sua educação
moral é que
depende
a felicidade da família e a grandeza das nações." [...] "Maldita sede
de ouro que arrasta o homem a sacrificar-lhe o maior dever e a única felicidade
da Terra! Maldita, ainda uma vez, essa sacra fames que o leva a esquecer as
leis da redenção, a desprezar os princípios eternos da mais sã moral, e a
menosprezar a formação do coração de seus filhos, a felicidade de sua família e
a grandeza de sua pátria!"
Quanto
à participação de Bezerra de Menezes na proposta de uma Lei do Ventre Livre,
ele reconhece que esta medida dá senão a solução de uma parte da extinção da
escravidão. O que era pretendido era o complemento dessa reforma, a
transformação do escravo em cidadão. Contudo, Bezerra traz um início com a
alternativa de começar pela socialização da educação com crianças nascendo
livres. Assim, ele julga ser o melhor naquele momento o estabelecimento de
Casas de Criação em todos os municípios e supervisionadas por eles. As crianças
seriam recolhidas a estas casas, empregando para esse fim agentes seus e
obrigando por meio de posturas os senhores a transportarem para lá as crianças
recém-nascidas. A amamentação seria realizada com leite de animais, amas e,
principalmente, pelas próprias mães das crianças, por ajustes pecuniários da
Nação com seus senhores ou por doação destes. Esta última indicação para a
amamentação, diz ele, seria o mais conveniente possível, por ser o natural e
por estimular os senhores a cuidarem das escravas grávidas e a mandá-las
prontamente e de boa vontade, com as crianças, para o estabelecimento.
As
crianças, alcançando determinada idade, receberiam todo o serviço e os cuidados
dispensados por pessoas escrupulosamente escolhidas, sujeitas à fiscalização e
vigilância por cidadãos ativos e inteligentes, designados pelos municípios. A
educação ofertada às crianças de ambos os sexos seria a Instrução primária, acompanhada de
princípios morais e religiosos. Logo que tivessem aprendido as primeiras
letras, os rapazes receberiam estudo dos princípios elementares das ciências,
que servem de base às artes mecânicas; as meninas teriam aprendizagem dos
deveres que constituem o trabalho da mãe de família. Já homens, seria concedido
o ensino de profissões para as quais tivessem vocação, e esta educação seria
nas capitais das Províncias, na Corte e nos demais lugares onde o Governo
entendesse necessário criar estabelecimentos competentemente organizados para
este propósito.
Bezerra
de Menezes tinha mais outras preocupações quanto ao que fazer com este povo
libertado do cativeiro e do vício, não considerando justo lançá-lo no seio da
sociedade, entregando cada um a seus próprios recursos. Inquietava-se muito
mais com a destinação das mulheres, pois naquela época, eram extremamente
dependentes da vontade alheia e ficariam sujeitas aos imensos perigos que as
cercavam, por falta de apoio e proteção natural. Esses perigos seriam tanto
maiores para as libertas porque, ainda por muito tempo, seriam vistas como
descendentes de escravos e, para alguns, como gente de condição ínfima, a cuja
vida não gostariam de ligar seu destino pelos laços do matrimônio. Contudo,
para Bezerra, o meio de evitar essa situação tão funesta parecia simples:
bastaria, para isso, que se estabelecesse colônias nacionais com os libertos
que fossem completando sua educação moral e artística. Reunidos em centros comuns, com todos os
filhos dos escravos preparados para a vida civil e social, as moças
encontrariam facilmente maridos de suas próprias condições e formariam famílias
honestas e laboriosas, em lugar de se perder no seio da sociedade uma massa
imensa de rapazes e moças condenados a uma vida de isolamento porque, no meio
da grande sociedade, provavelmente perderiam-se uns dos outros.
Alguém
pode afirmar que esta ideia de formação de colônias não representa uma medida
includente e que até poderia ser fomentada as indisposições e rivalidades de
raças, isolando-se os libertos da comunhão dos demais brasileiros. Entretanto,
Bezerra de Menezes não temia esse perigo da formação de guetos. Primeiramente,
porque não se daria tal isolamento, desde que os libertos, ainda mesmo
constituídos em colônias, teriam todos os ônus e vantagens, todos os deveres e
direitos do cidadão brasileiro. Em segundo lugar, porque as novas famílias, das
quais esperava-se os mais profícuos exemplos da virtude e do trabalho, pouco a
pouco iriam se entrelaçando com a família geral brasileira, até se mesclarem
totalmente a ela.
Como
a emancipação dos escravos era para ele, naquela época, a maior e mais elevada
questão de caráter moral a ser resolvida, Bezerra ainda sugere ser repartida e
destinada a ela uma parte da receita pública, que se costumava aplicar a verbas
de melhoramentos materiais.
Portanto,
este baluarte da caridade e do Espiritismo, trazia em si os passos de uma
inclusão gradativa e processual no que se refere à libertação dos escravos e a
sua transformação em verdadeiros cidadãos participantes da sociedade
brasileira. Que possamos refletir nos esforços que estamos empreendendo para a
libertação de preconceitos e estigmas de tantas pessoas com as suas diferenças
e, também, como estamos promovendo suas participações no cotidiano social da
humanidade deste ou de qualquer outro país.