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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 112

 

O Espiritismo e a Ciência (Parte V)

 

Edson Ramos de Siqueira

 

 

            É sempre importante salientar que o Espiritismo é uma Doutrina diferente das Religiões tradicionais, cujos preceitos podem e devem ser analisados e estudados pelos seguidores destas, pois representariam o complemento a facilitar o processo de compreensão da Vida.

            A triste realidade moral da Humanidade somente se transformará pela compreensão do significado da Vida, que não começa no berço, nem termina no túmulo. Compreender o mecanismo da reencarnação é fundamental para o despertar da consciência, com a consequente priorização da evolução espiritual. Acrescenta-se a isto, a necessidade de interiorizar que, a convivência com a matéria e com os seres humanos encarnados, representam as ferramentas pedagógicas para o desenvolvimento moral e intelectual dos indivíduos.

            Allan Kardec, quando iniciou seus trabalhos de organização da Doutrina Espírita, muniu-se dos princípios científicos e filosóficos, agregados ao Farol Moral do Evangelho de Jesus. Ele não criou um dogma religioso clássico; pelo contrário, deixou aos seus seguidores a recomendação de não fazê-lo, sob o risco de descaracterizar totalmente o objetivo central da nova Doutrina, qual seja, propiciar à Humanidade o caminho para o encontro das verdades consoladoras.

            Nada melhor para comprovar a intenção de Kardec no cumprimento de sua missão superior, do que analisar parte de um texto escrito por ele mesmo, e publicado na Revista Espírita de junho de 1859.

            A Revista Espírita foi criada por Allan Kardec, e lançada em 1/1/1858, pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Ele foi seu editor chefe até a desencarnação, em 1869.

            Kardec escreveu o artigo com o intuito de rebater uma matéria sobre Espiritismo, publicada pelo Abade François Chesnel, no jornal L’Univers (O Universo), em 13/4/1859.

            “Senhor Abade,

            O artigo publicado por vós em “L’Univers”, relativamente ao Espiritismo, contém vários erros, que importa retificar e que, sem a menor dúvida, provêm de um incompleto estudo da matéria. Para os refutar a todos, fora necessário retomar, desde os alicerces, todos os pontos de teoria, bem como os fatos que lhe servem de base, o que não tenho a intenção de fazer aqui. Limito-me aos pontos principais”.....

            Após Kardec ter detalhado as respostas aos equívocos cometidos pelo Abade Chesnel na primeira parte de seu artigo, seguiu suas considerações no tocante àquilo que considerou mais relevante.

            “Chego, então, à parte do artigo de Vossa Reverendíssima que me parece mais importante.

            Destes ao vosso artigo o título: “Uma religião nova em Paris”. Supondo que este fosse, realmente, o caráter do Espiritismo, aí estaria um primeiro erro, pois que ele está longe de circunscrever-se a Paris. Conta com milhões de aderentes espalhados nas cinco partes do mundo. Paris não foi o foco primitivo.

            Em segundo lugar, é ele uma religião?

            Fácil é demonstrar o contrário.

            O Espiritismo está baseado na existência de um mundo invisível, formado de seres incorpóreos que povoam o espaço e que não são outra coisa senão as almas dos que viveram na Terra ou em outros globos, onde deixaram os seus invólucros materiais. São esses seres aos quais demos, ou melhor, que se deram o nome de Espíritos. Esses seres que nos rodeiam continuamente, exercem sobre os homens uma poderosa influência; representam um papel muito ativo no mundo moral e, até certo ponto, no mundo físico. Assim, pois, o Espiritismo pertence à Natureza e pode-se dizer que, numa certa ordem de ideias, é uma força, como a eletricidade é outra, sob diferente ponto de vista, como a gravitação universal é uma terceira.

            Ele nos desvenda mundos invisíveis, assim como o microscópio nos revelou o mundo dos infinitamente pequenos, cuja existência não suspeitávamos. Assim, pois, os fenômenos cuja fonte é esse mundo invisível, devem ter-se produzido e se produziram em todos os tempos, como bem o menciona a História de todos os povos. Apenas os homens, em sua ignorância, atribuíram tais fenômenos a causas mais ou menos hipotéticas e, a esse respeito, deram livre curso à imaginação, como o fizeram com todos os fenômenos, cuja natureza conheciam imperfeitamente.

            Melhor observado desde que se difundiu, o Espiritismo vem lançar luz sobre uma porção de problemas até aqui insolúveis ou mal resolvidos. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não o de uma religião. E a prova é que conta como aderentes, homens de todas as crenças, os quais, nem por isso, renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos, que praticam todos os deveres de seu culto, protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e até budistas e bramanistas. Há de tudo, menos materialistas e ateus, porque estas ideias são incompatíveis com as observações espíritas.

            Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios gerais independentes de toda questão dogmática. É verdade que ele tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas. Suas consequências são no sentido do cristianismo, porque é este, de todas as doutrinas, a mais esclarecida, a mais pura, razão por que, de todas as seitas religiosas do mundo, são as cristãs as mais aptas a compreendê-lo em sua verdadeira essência.

            O Espiritismo não é, pois, uma religião. Do contrário teria seu culto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida, cada um pode transformar suas opiniões numa religião, interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daí, à constituição de uma nova Igreja, há uma grande distância e penso que seria imprudência seguir tal ideia. Em resumo, o Espiritismo ocupa-se da observação dos fatos e não das particularidades desta ou daquela crença; da pesquisa das causas, da explicação que os fatos podem dar dos fenômenos conhecidos, tanto na ordem moral quanto na ordem física, e não impõe nenhum culto aos seus partidários, do mesmo modo que a Astronomia não impõe o culto dos astros, nem a pirotecnia o culto do fogo.

            Ainda mais: assim como o sabeísmo (religião baseada no culto dos astros) nasceu da Astronomia mal compreendida, o Espiritismo, mal compreendido na Antiguidade, foi a fonte do politeísmo. Hoje, graças às luzes do cristianismo, podemos julgá-lo com mais segurança; ele nos põe em guarda contra os sistemas errados, frutos da ignorância. E a própria religião pode haurir nele a prova palpável de muitas verdades contestadas por certas opiniões. Eis porque, contrariando a maior parte das ciências filosóficas, um dos seus efeitos é reconduzir às ideias religiosas aqueles que se tresmalharam (se perderam) num ceticismo exagerado.

            A Sociedade a que vos referis tem seu objetivo expresso no próprio título; a denominação Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas não se assemelha ao de nenhuma seita; tem ela um caráter tão diverso que os seus estatutos proíbem tratar de questões religiosas; está classificada na categoria das sociedades científicas, porque, na verdade, seu objetivo é estudar e aprofundar todos os fenômenos resultantes das relações entre o mundo visível e o invisível; tem seu presidente, seu secretário, seu tesoureiro, como todas as sociedades; não convida o público às suas sessões, nas quais não há discursos nem qualquer coisa com o caráter de um culto qualquer. Processa seus trabalhos com calma e recolhimento, já porque sabe que devem ser respeitados aqueles que não vivem mais na Terra. Ela os chama em nome de Deus, porque crê em Deus, em sua Onipotência e sabe que nada se faz neste mundo sem a sua permissão. Abre as sessões com um apelo geral aos bons Espíritos, porque, sabendo que os existem bons e maus, cuida para que estes últimos não se venham intrometer fraudulentamente nas comunicações que são recebidas e induzir em erro.

            Que prova isto?

            Que não somos ateus. Mas de modo algum implica que sejamos adeptos de uma religião”....

            Allan Kardec, através deste artigo em resposta aos equívocos publicados pelo Abade François Chesnel, nos elucidou, de maneira muito clara e objetiva, a verdadeira identidade do Espiritismo, ainda desconhecida por muitos.

            Nós, espíritas, temos a enorme responsabilidade de manter as características originais da Doutrina; caso contrário, correremos o risco de provocarmos a perda de sua finalidade, qual seja: contribuir significativamente com a Evolução do Espírito, através de um processo educacional holístico que transmita aos educandos as verdades transformadoras e consoladoras.

 

Observação: as partes I, II, III e IV deste artigo, se encontram publicadas nas semanas 102, 103, 106 e 109, respectivamente.