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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 133


O Espiritismo e a Ciência – Parte XI


Edson Ramos de Siqueira

 

 

            Certamente, a Lei Natural mais incompreendida pela Humanidade é a desencarnação, erroneamente conhecida por morte. Sim; a morte existe, mas nós não morremos. Quem morre é somente o nosso segmento temporário denominado corpo físico. Não somos corpos físicos; se fossemos, não haveria a tão decantada eternidade; é uma questão de lógica. Somos eternos porque somos Espíritos, envoltos por um corpo eterno também, mas que não é o corpo físico e sim o perispírito.

Mesmo com uma justificativa tão plausível, a maior parte dos Humanos não crê. Não crê porque a realidade da Vida não lhes foi ensinada; afinal, poucos sabem. Mas, os incrédulos podem recorrer à Ciência e à Filosofia, que há séculos tentam compreender a nossa realidade existencial.

            Aliás, a Filosofia, alguns séculos antes de Cristo, já pregava os preceitos cristãos, conforme afirmou Allan Kardec na Introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo:

            “[...]. Assim ocorreu com a ideia cristã, que foi pressentida vários séculos antes de Jesus e dos Essênios, e da qual Sócrates e Platão foram os principais precursores”.

            Ainda na Introdução desta obra de Kardec, encontramos o Resumo da Doutrina de Sócrates (470 – 399 a. C.) e de Platão (428 – 348 a. C.), que se inicia com a seguinte afirmação deles: “O homem é uma alma encarnada”.

            Nos artigos de números 125 e 128, publicados neste site, nos referimos a Ernesto Bozzano (1862 – 1943), professor da Universidade de Turim e pesquisador espírita. Em sua magnífica obra: “A Crise da Morte”, ele abordou a desencarnação sob a ótica da análise comparada de diversas comunicações sobre o tema, provenientes de vários Espíritos que passaram, a diferentes médiuns, as sensações imediatamente antes, durante e após a passagem à outra dimensão.

            Uma das comunicações estudadas por Bozzano foi a do italiano Rodolfo Valentino (1895 – 1926), conhecido ator de cinema. Em 1927 sua esposa, Natacha Rambova, lançou o livro “Rudy”, no qual descreveu a vida do marido, tendo acrescentado algumas mensagens mediúnicas dele, recebidas pelo médium americano Jorge Benjamin Wehner.

            Ressalta-se que Rodolfo Valentino, enquanto encarnado, participava de reuniões mediúnicas como médium psicógrafo e vidente.

            A seguir, transcreverei trechos das comunicações mediúnicas efetuadas por Rodolfo Valentino (publicadas no livro “Rudy”, citadas por Ernesto Bozzano), tendo em vista o aspecto didático que elas encerram. Na 1ª parte, a narrativa concernente à sua desencarnação.

            “Quando já me achava em estado muito grave, mas sem que os que me assistiam soubessem que eu morreria, vi de repente o Espírito de Jeny. Tão surpreendido fiquei, que creio tê-la chamado pelo seu nome. Vi-a por um instante: estava cercada de uma luminosidade rósea. Olhou-me a sorrir, exatamente como fazia em vida, quando sabia que eu precisava de animação, e me estendeu os braços. Por aquele sorriso parecia dizer-me: “Não te aflijas!” Entretanto, não a ouvi falar. Ao cabo de um segundo, a visão desapareceu; mas bastou para me dar a compreender que eu morreria. Do fundo do meu ser tive a intuição de que a minha carreira terrestre chegava ao fim. Apavorei-me. Não queria morrer. Estranha sensação se apoderou então de mim: parecia que eu flutuava no vácuo, fora de todas as coisas.

            O mundo se me afigurava mais agradável e mais belo do que antes. Pensei no meu trabalho, de que gostava tanto! Pensei na minha casa, nas minhas coisas, nos meus animais favoritos. As recordações se apresentavam em multidões no meu cérebro. Eram lembranças de automóveis, de viagens, de iates, de trajes, de dinheiro. Todo esse material, confesso, me parecia precioso. A ideia de que tudo isso seria varrido para longe de mim e para sempre, me aterrorizava. Tinha a impressão de que meu corpo se tornara pesado e, ao mesmo tempo, a de que havia em mim alguma outra coisa, que me parecia cada vez mais leve, como se houvesse de elevar-me nos ares, de um instante para outro.

            O tempo se escoava e isso adquiria para mim singular importância. Parecia-me que alguma coisa de desconhecido, de misterioso se desenhava ao longe, diante de meus olhos. Sentia-me como que imerso numa apavorante sensação de imensidade, que me oprimia e me fazia tremer a alma.

            Centenas de coisas, que projetara fazer, se apresentavam ao meu espírito: coisas importantes umas e banais outras. [...]. Contudo, a visão fugaz, porém viva, de Jeny me convencera de que eu nada mais podia fazer do que projetara. Não podia esquecer-lhe o sorriso singular e encantador, seus braços estendidos, como a me chamar, a luminosidade espiritual que a envolvia.

            [...]. Em meu cérebro se apresentava confusamente a lembrança de todas as pessoas que eu conhecera. Semblantes, semblantes, ainda semblantes! Eram pessoas que vira alguns dias antes; outras que conhecera havia muitos anos. Pensava nos meus jovens colegas, nas pessoas que me procuravam para obter auxílios, nas que, pertencendo a outras classes, vinham ter comigo pelos mais diversos motivos. Via os rostos de várias pessoas! Rostos, rostos, sempre rostos! Depois, recordações de meu pai, de minha mãe. Minha infância, a escola, minha bela Itália; minha primeira viagem à América, meu primeiro certificado de nacionalidade. Esse fluxo imenso de recordações me abrandava as penas. Os mais insignificantes e mais ridículos acontecimentos de minha existência também se apresentavam muito vivazes em meu cérebro. Loucuras, prazeres, dores, tudo o que fizera no curso da minha vida sobrevinha sem ser chamado, não sei donde, para fazer ato de presença. Tudo isso acabou por me produzir uma vertigem; desmaiei.

            Quando voltei a mim, a operação cirúrgica havia terminado. Toda gente me dirigia sorrisos de animação. Era preciso que me conservasse absolutamente quieto, embora desejasse pedir muitas coisas.

            De todo modo, nos meus últimos dias de vida, embora me sentisse às vezes com bastantes forças, via-me presa de inexplicável sentimento de medo. Sentia que, se pudesse levantar e começasse a ocupar-me com as coisas que tivera de abandonar, conseguiria fazer que desaparecesse aquele misterioso medo. Como era natural, não permitiam sequer que me mexesse.

            [...]. Afligiu-me em seguida uma grande dificuldade de respirar. Compreendi que meu fim se aproximava. Fiquei aterrorizado. A hora extrema me apanhara de um modo por demais repentino. Não creio, minha querida Natacha, que meu estado d’alma fosse o temor da morte. Não, eu tremia em face do desconhecido. Sabes quanto me inquietava sempre a incerteza de uma situação, bem como toda espécie de coisas desconhecidas.

            Foi então, minha querida Natacha, que comecei a perceber uma mudança no meu ser. Percebi-a no meu corpo e no meu espírito. Parecia-me que alguma coisa se ia de mim. Experimentava, de tempos em tempos, uma sensação de arrancadura, como se alguma parte do meu ser estivesse sendo arrancada do resto.

            Pensava no que ia dar-se com o meu corpo: funerais, incineração ou enterramento, coisas todas essas que me causavam horror.

            Chegou o sacerdote. Acolhi-o como um raio de luz nas trevas. A ele me confiei, com todos os sentimentos de terror, de horror, de inquietação que me atormentavam. De novo me emergiram da consciência as recordações da minha infância; diante de mim desfilaram as naves de uma catedral.

            Os últimos sacramentos!

            Quando a singela cerimônia terminou, já me sentia longe do meio terreno. Modificara-se a minha condição mental. A Igreja me tinha consigo, como se forte mão amiga me segurasse. Já não estava só. Não tive mais medo. Em seguida, as pessoas que me cercavam se tornaram indistintas. Silêncio. Trevas. Inconsciência.

            Não posso calcular durante quanto tempo permaneci nesse estado. Afinal, abri os olhos, como se despertasse de longo e profundo sono, experimentando ao mesmo tempo a sensação de estar sendo arrastado rapidamente para o alto. Achei-me em maravilhosa luminosidade azulada. Logo vi, dirigindo-se ao meu encontro, Black Feather (o indiano, Espírito guia de Valentino, quando este servia de médium), Jeny e Gabriela, minha mãe!

            Estava morto!

            Estava vivo!

            Tais são, Natacha, as primeiras recordações que tenho de minha morte.  

             

            Observação: a continuação deste artigo será publicada neste site, no dia 30/7.