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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 189



MUITAS MORADAS NA CASA DO PAI


    

Sonia Hoffmann



Jesus, aproximando-se o momento de sua prisão e martírio da crucificação, conforta seus seguidores com o esclarecimento de haver muitas moradas na casa do Pai e pede para ficarem calmos porque voltaria para buscá-los. A casa do Pai a que ele fez referência significa o universo, criado por Deus; as diferentes moradas são os mundos circulantes no espaço infinito.


Com mais este ensinamento, Jesus, segundo o registro de João, solicita aos seus seguidores manterem a fé na assistência do Criador Supremo e também nele próprio, pois como afirma: "se não fosse assim, Eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar”. (KARDEC, 2013, p. 57).


A expressão apresentada por Jesus traduz um dos princípios do Espiritismo: a pluralidade dos mundos habitados. Tal ensinamento evangélico abrange pelo menos três perspectivas: a pluralidade dos mundos habitados no Universo; a indicação das regiões ou esferas vibracionais existentes no mundo espiritual (erraticidade) para onde iremos após a desencarnação; e a relação com os níveis ou graus evolutivos de cada Espírito, independentemente do local no qual se encontra, fazendo referência ao cultivo do mundo moral íntimo de cada ser.


Relativamente à existência de outros mundos habitados, um raciocínio bastante lógico é encontrado na Revista Espírita de março de 1858, no qual Kardec argumenta sobre a possível atitude dos selvagens da América ao verem desembarcar os espanhóis, não tendo mais dúvidas de que, além dos mares, existia um outro mundo no qual havia o cultivo de artes que lhes eram desconhecidas. Ele complementa apontando ser o planeta Terra salpicado de inumerável quantidade de ilhas, de diferentes dimensões, e tudo o que é habitável é habitado.


Em exercício de reflexão, Kardec pondera: se os habitantes de uma dessas menores ilhas, conhecendo perfeitamente a existência das outras ilhas e continentes, mas não tendo tido jamais relações com os seus habitantes, acreditassem ser os únicos seres vivos do globo, poderia ser lançada a seguinte questão "como podeis acreditar que Deus tenha feito o mundo somente para vós? Por qual estranha bizarrice vossa pequena ilha, perdida num canto do oceano, teria o privilégio de ser a única habitada? Podemos dizer o mesmo em relação às outras esferas. Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidão do Universo, que dos outros planetas não se distingue nem por sua posição, nem por seu volume, nem por sua estrutura, visto não ser nem a menor, nem a maior, nem está no centro, nem na extremidade; por que diríamos que dentre tantas outras seria a única morada de seres racionais e pensantes? Que homem sensato poderia crer que esses milhões de astros que cintilam sobre nossas cabeças foram feitos somente para recrear os nossos olhos? Qual seria, então, a utilidade desses outros milhões de globos invisíveis a olho nu e que não servem sequer para nos iluminar?" Ele encerra sua reflexão com a pergunta: não haveria neste caso, ao mesmo tempo, orgulho, impiedade e algo ilógico pensar que assim fosse?


Com um simples raciocínio é possível a conclusão pela pluralidade dos mundos, a qual está confirmada pelas revelações dos Espíritos. Com efeito, eles nos ensinam que todos esses mundos são habitados por seres corporais apropriados à constituição física de cada globo; que, entre os habitantes desses mundos, há uma diversidade de adiantamento intelectual, moral e físico em relação a nós; que podemos entrar em comunicação (algumas vezes) com eles e obter informações sobre o seu estado; que não apenas os globos são habitados por seres corpóreos, mas o próprio espaço é povoado de seres inteligentes, invisíveis a nós devido o véu material lançado sobre nossa alma, sendo revelada sua existência por meios ocultos ou evidentes. Ou seja, tudo é povoado no Universo". A vida e a inteligência estão circulando por toda parte, sendo um pensamento egoísta, orgulhoso e mesquinho nos colocarmos na posição de únicos seres dignos de merecer e ocupar o pensamento de Deus e Sua ação.


É pela lei do progresso, na evolução do ser, à medida que o Espírito completa seu aprendizado em um mundo, que passamos a habitar outro e assim sucessivamente, evoluindo sem cessar. É sabido também que os mundos mantêm entre si solidariedade planetária (emigrações e imigrações de Espíritos). Como as Leis Divinas estão inscritas em nós, podemos compreender a imensa pluralidade de mundos formada pelos próprios indivíduos. Como Teresa de Ávila (1988) faz referência, a nossa alma é como um castelo, deixando bastante claro que o exatamente necessário para todos nós não é saber os caminhos que nos conduzem a alma, porque somos as próprias almas, Espíritos. Precisamos, isto sim, conhecer e trabalhar com os aposentos internos. Estes aposentos internos são nossos pensamentos, sentimentos, valores morais e intelectuais expressos nas atitudes.


Assim como o Espiritismo apresenta a escala de mundos primitivos, mundos de provas e expiações, de regeneração, mundos felizes e mundos celestiais, da mesma forma podemos refletir sobre o estado da nossa intimidade, nosso estágio evolutivo moral desde nossas primitividades, rudezas (que caracterizam os mundos primitivos), seguindo para o de provas e expiação (onde a materialidade e o mal ainda impera, mas a busca pelo esclarecimento e pela emancipação da miséria moral é feita). Com esta compreensão, passamos a um mundo de regeneração pelas nossas mudanças e começamos a vivenciar experiências menos dolorosas. Os mundos felizes ou ditosos, nos quais, embora o mal ainda exista em pequena escala, ele já não mais prepondera, sendo nossas ações muito mais solidárias e fraternas no exercício espontâneo do bem. Daí para a conquista do mundo celeste, é um trabalho mais estável e equilibrado, cabendo a cada um a responsabilidade de o realizar.


É a partir do nosso amadurecimento não etário, mas aquele obtido na evolução moral, ética e intelectual, que vamos tomando a direção de outros mundos. Por isto a grande importância dos cuidados com a própria ecologia psicoafetiva de nós mesmos.


Várias são as indicações na literatura doutrinária para a designação da escala na pluralidade física e anatômica dos mundos na esfera planetária. O fundamental, em nossa opinião, é prestar atenção à pluralidade dos mundos ecológicos internos, porque é este o passaporte para conquistarmos novas habitações.


Como menciona Fernando Pessoa em seu Livro do Desassossego, a vida "É uma viagem do espírito através da matéria, e como é o espírito que viaja, é nele que se vive".


Portanto, esta é uma tarefa individual para a qual precisamos nos conscientizar e igualmente nos esforçar a fim de promover a modificação do panorama interno, que naturalmente se expressa no convívio com os demais seres. Cada pessoa, utilizando sua vontade e inteligência, poderá fazer grandes modificações a partir das diversas oportunidades concedidas por Deus em nossa existência.


Referências


ÁVILA, Teresa de. Moradas do castelo interior. Lisboa: Assírio & Alvim, 1988.


KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131. ed. Brasília, DF: FEB, 2013. Cap. III: Há muitas moradas na casa do Pai. p. 57-65.

                      

KARDEC, Allan. Pluralidade dos mundos. Revista Espírita, Ano 1, n. 3, p. 111-112, mar. 1858. 


PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Jaguaré (SP): Montecristo Editora, [S. d.] Formatação digital.