Logo
Logo

ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 226



O ROMANCE ESPÍRITA NA OPINIÃO DE KARDEC


Sonia Hoffmann



Allan Kardec, ao longo das diversas edições da Revista Espírita pelas quais foi responsável, sempre que oportuno, noticiou acerca de novelas e romances que continham passagens ou enredos total ou parcialmente relacionados aos princípios do Espiritismo. Para algumas destas obras, ele teceu críticas veementes por se distanciarem ou apresentarem um teor fantasioso; para outras, fez comentários elogiosos e as indicou para os leitores da Revista acessarem e tirarem suas próprias conclusões. A cabana do Pai Tomás, Robinson Crusoé e O conde de Monte Cristo estão enumeradas e analisadas entre as obras mencionadas por Kardec, contendo nelas ensinamentos morais e outros preceitos correlatos à Doutrina.


Em algumas circunstâncias, Espíritos também comentavam a iniciativa de autores incluírem em seus romances a temática espírita. A opinião do Dr. Morel Lavalle, tendo partido para a Pátria Espiritual em 1865, é uma destas exemplificações: "... o romance tornar-se-á filosofia e a filosofia se fará história. Não se fará mais do Espiritismo uma crença ignorada e aceita apenas por alguns cérebros supostamente doentes; será uma filosofia admitida ao banquete da inteligência, uma ideia nova tendo posição ao lado das ideias progressivas, que marcam a segunda metade do século dezenove. Assim, felicitamos vivamente aquele que soube, como primeiro, pôr de lado todo falso respeito humano, para arvorar francamente e claramente sua crença íntima". (Kardec, 1867b, p. 96)


Em dezembro de 1865, Kardec se posicionou, expressando o pensamento de que, aparentemente, a escrita de um romance parece ser o gênero mais fácil. Ele, entretanto, não concorda e considera ser isto mais difícil do que a descrição de episódios na História, pois o historiador já possui o panorama traçado pelos fatos ocorridos, enquanto o romancista deve criar a narrativa. Para Kardec, é um grande equívoco alguém pensar ser suficiente um pouco de estilo e imaginação para elaborar um bom romance: "... é preciso muita instrução. Para fazer a sua Notre-Dame de Paris, Victor Hugo devia conhecer sua velha Paris arqueológica tão bem quanto a sua Paris moderna. Pode-se fazer romances sobre o Espiritismo, como sobre todas as coisas. Dizemos mesmo que o Espiritismo, quando for conhecido e compreendido em toda a sua essência, fornecerá às letras e às artes fontes inesgotáveis de poesias encantadoras." (p. 457)


Kardec ainda ponderou que é indispensável conhecer a fundo o Espiritismo, a fim do escritor não cometer disparates e não demonstrar sua ignorância acerca das grandiosas possibilidades contidas nos propósitos doutrinários e divinos: "aquele, pois, que não estudou a fundo o Espiritismo, em seu espírito, em suas tendências, em suas máximas, tanto quanto em suas formas materiais, é tão inapto para fazer um romance espírita de algum valor, quanto o teria sido Lesage de fazer Gil Blas, se não tivesse conhecido a história e os costumes da Espanha." (Kardec, 1865, p. 457) 


O Codificador entende ser desnecessário que o escritor seja adepto fervoroso do Espiritismo, mas que ele seja verídico. Para apresentar a verdade tal como se apresenta, conforme pensa, é necessário realmente saber e conhecer. Para escrever um romance árabe, diz Kardec (1865), certamente não é preciso ser muçulmano, "mas é indispensável conhecer bastante a religião muçulmana, seu caráter, seus dogmas e suas práticas, bem como os costumes daí decorrentes, para não fazer agir e falar os africanos como cavalheiros franceses. Mas há os que julgam ser suficiente, para dar o cunho da raça, prodigalizar a torto e a direito os nomes de Alá, de Fátima e de Zulema, pois é mais ou menos tudo quanto sabem do islamismo. Numa palavra, não é preciso ser muçulmano, mas estar impregnado do espírito muçulmano, como para fazer uma obra espírita, ainda que fantástica, deve-se estar impregnado do espírito do Espiritismo. Enfim, é preciso que, lendo um romance espírita, os espíritas possam reconhecer-se, como os árabes deverão reconhecer-se num romance árabe e poder dizer: é isto. Mas nem uns, nem outros se reconhecerão se usarem disfarces; seu autor terá feito uma obra grotesca, exatamente como se um pintor pintasse mulheres francesas em costumes chineses." (p. 458)


O romance espírita, para Kardec (1865), "pode ser considerado como uma transição passageira entre a negação e a afirmação. É preciso coragem real para afrontar e desafiar o ridículo que se liga às ideias novas, mas essa coragem vem com a convicção. Mais tarde - estamos convencidos, das fileiras de nossos adversários da imprensa sairão campeões sérios da doutrina." (p. 459)


Relativamente ao romance mediúnico, Kardec (1867a) esclarece que os Espíritos providencialmente se manifestam: "eles vêm para atestar a sua presença e provar ao homem que nem tudo se acaba com a vida corporal; vêm instruí-lo sobre sua condição futura, exercitá-lo a adquirir o que é útil ao seu futuro e o que pode levar, isto é, as qualidades morais, e não para lhe dar meios de enriquecer. O cuidado de sua fortuna e a melhoria de seu bem-estar material deve ser ato de sua própria inteligência, de sua atividade, de seu trabalho e de suas pesquisas. Se assim não fora, o preguiçoso e o ignorante poderiam enriquecer-se sem esforço, pois bastaria dirigir-se aos Espíritos para obter uma invenção lucrativa, fazer descobrir tesouros, ganhar na bolsa ou na loteria. Por isso, todas as esperanças de fortuna fundadas sobre o concurso dos Espíritos fracassaram deploravelmente." (p. 444-445)


Conforme pode ser depreendido das reflexões de Kardec, o romance pode ser uma das maneiras de exprimir e difundir pensamentos, princípios e acontecimentos espíritas, desde que seja embasado e lógico, tornando-se assim, uma das formas pelas quais a ideia e a conduta espírita podem penetrar nos mais diversos meios e para os diferentes leitores. Junto a isto, muitas pessoas passaram a procurar e a estudar com mais profundidade o Espiritismo por, em alguma ocasião, terem lido romances de cunho doutrinário.


Referências


KARDEC, Allan. Impressões de um médium inconsciente a propósito do Le Roman de l’avenir, pelo Sr. Eug. Bonnemère. Revista Espírita. Ano X, n. 11, p. 433-445, nov. 1867a.


KARDEC, Allan. Mirette: Romance espírita, pelo Sr. Élie Sauvage, membro da Sociedade dos Homens de Letras. Revista Espírita. Ano X, n. 2, p. 90-96, fev. 1867b. 


KARDEC, Allan. Romances Espíritas: Spirite, por Théophile Gautier e La Double vue, por Élie Berthet. Revista Espírita. Ano VIII, n. 12, p. 456-463, dez 1865.