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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 298



IDIOTIA? CRETINISMO? IMBECILIDADE?


Sonia Hoffmann



A presença das palavras idiotia, cretinismo e imbecilidade em O Livro dos Espíritos causa, para algumas pessoas, grande estranheza pois, atualmente, são usadas de modo pejorativo. Porém, com a leitura das questões 371 a 374, é possível perceber haver relação com dificuldade da expressão ou comunicação da inteligência pelo Espírito, porque o cérebro está danificado ou alterado devido má-formação cerebral ou doença orgânica (Kardec, 2013).


Quatro terminologias eram utilizadas para nominar deficiências nos séculos XIX e parte do XX, quais sejam: idiotas, imbecis, cretinos e retardados. Ou seja, psiquiatricamente, na época da publicação de O Livro dos Espíritos, o termo idiotismo era utilizado para determinar a fragilidade intelectual. Cretinismo, imbecilidade e a idiotia propriamente dita se relacionavam aos níveis deste comprometimento, desde o mais atenuado ao mais severo.


O conceito a seguir não vem pela via do Espiritismo, mas pelos estudiosos da temática psiquiátrica: "O 'idiotismo', último grau da alienação mental, caracteriza-se como 'abolição total das funções da compreensão' ou, em outros termos, supressão quase completa da atividade mental. Postula-se, assim, o 'idiotismo' como uma patologia inata ou adquirida" (Santiago, 2025).


Com origem no grego, idiota seria uma pessoa alheia à vida social e pública. A expressão possuía designação bastante ampla, compreendendo em si toda uma diversidade de estados de deficiência físico-mentais consequentes de várias síndromes, doenças ou acidentes neonatais (Esquinsani; Dametto, 2020).


Imbecil origina-se do latim e seriam pessoas com comprometimento um nível acima da idiotia, com idade mental de 3 a 6 anos (quando adultos). Elas realizam satisfatoriamente simples tarefas rotineiras e, se forem atendidas por pessoas pacientes, podem aprender alguns tipos de trabalhos simples, embora não consigam adquirir habilidades ocupacionais que lhes garanta o próprio sustento. É um déficit moderado (Esquinsani; Dametto, 2020).


O cretinismo é uma síndrome resultante da deficiência congênita de iodo, com grande incidência em épocas passadas. As características de alguém com tal comprometimento foram assim descritas: cabeça irregularmente formada, olhos semicerrados, língua espessada, baixa estatura, dentição prejudicada,

desenvolvimento motor e mental lento e limitado.


Estas três classificações contidas na deficiência intelectual não se confundem com a loucura. Kardec (2013) apresenta esta diferenciação quando estabelece com os Espíritos alguns questionamentos elucidativos.


É esclarecido, na questão 371, não haver fundamento em pensar que a alma destas pessoas é de natureza inferior. "Eles trazem almas humanas, não raro mais inteligentes do que supondes, mas que sofrem da insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da mesma forma que o mudo sofre da impossibilidade de falar" (Kardec, 2013, p. 201).


O corpo de um idiota (hoje, refere-se à deficiência intelectual), conforme a questão 373A, pode conter um Espírito que tenha animado um homem com genialidade em existência anterior. "O gênio se torna por vezes um flagelo, quando dele abusa o homem" (Kardec, 2013, p. 202).


Na questão 374, Kardec (2013) faz uma indagação de extrema importância, nos alertando para o cuidado e a ética necessárias na qualidade atitudinal em interações com alguém apresentando a deficiência intelectual e nos procedimentos nas relações familiares, sociais e convívio em geral.


"Na condição de Espírito livre, tem o idiota consciência do seu estado mental? "Frequentemente tem. Compreende que as cadeias que lhe obstam ao voo são prova e expiação".


Então, fica claro o quanto estas pessoas podem ser afetadas pelas ações e comentários agressivos ou de indiferença a elas, direta ou indiretamente endereçados, mesmo que pensem elas não estarem absorvendo tais juízos. Quando emancipadas, muitos entendimentos podem se articular e diversos dos seus comportamentos, em vigília, podem assim se explicar.


A Revista Espírita, no artigo O Espírito de um idiota, aprofunda o esclarecimento de que alguém com deficiência intelectual tem consciência da sua condição. Na pergunta de número 13, Kardec (1860) investiga esta revelação a partir da evocação de um jovem, ainda encarnado, que apresentava esse transtorno:


Pergunta: "No estado de vigília tendes consciência do que se passa ao vosso redor, apesar da imperfeição dos vossos órgãos?


Resposta: "- Vejo, entendo, mas meu corpo não compreende e nada vê".


Kardec (1860, p. 263) apresenta uma significativa observação – "Ninguém desconhecerá o alto ensinamento moral que resulta desta evocação. Além disso, ela confirma o que sempre foi dito sobre os idiotas. Sua nulidade moral nada tem a ver com a nulidade do Espírito, que, abstração feita dos órgãos, goza de todas as suas faculdades. A imperfeição dos órgãos é apenas um obstáculo à livre manifestação das faculdades; não as aniquila. É o caso de um homem vigoroso, cujos membros seriam comprimidos por laços. Sabe-se que, em certas regiões, longe de ser um objeto de desprezo, os cretinos são cercados de cuidados benevolentes. Esse sentimento não decorreria de uma intuição do verdadeiro estado desses infortunados, tanto mais dignos de atenções quanto seu Espírito, que compreende a posição em que se encontra e deve sofrer por se ver como um refugo da sociedade?".


Mais adiante, no artigo Os Cretinos, outras considerações surgem: os cretinos (grau severo da deficiência intelectual) têm sua alma aprisionada em um mutismo moral e físico, pois os órgãos impotentes não podem exprimir seu pensamento. "Tal prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na sua prisão de carne: os olhos hebetados (sem brilho, sem vivacidade, apáticos) veem, o cérebro deprimido compreende, mas nada pode ser traduzido, nem pela palavra, nem pelo olhar e, salvo o movimento, estão moralmente no estado dos letárgicos e dos catalépticos, que veem e ouvem o que se passa ao seu redor sem poderem exprimi-lo" (Kardec, 1861, p. 451).


Os informes prosseguem: "Os atos de furor ou de imbecilidade a que seus corpos se entregam são julgados pelo ser interior, que sofre e se envergonha. Assim, ridicularizá-los, injuriá-los, mesmo maltratá-los, como às vezes se faz com eles, é aumentar-lhes os sofrimentos, porque os faz sentir mais duramente sua fraqueza e sua abjeção; se pudessem, acusariam de covardia os que assim agem, pois sabem que suas vítimas não podem se defender" (Kardec, 1861, p. 452).


Foi necessária esta contextualização, com as orientações trazidas por Kardec e pelos Espíritos, para todos repensarmos nosso entendimento e, especialmente, o comportamento para com quem está vivenciando a condição da precariedade de expressão da sua inteligência. Embora, muitas vezes, eles não respondam ou se mostrem conscientes da realidade comportamental daqueles ao seu redor, isto não significa que registros e conflitos não se estabeleçam na sua intimidade espiritual.


Neste viés, a abordagem inclusiva traz alívio e benefícios para sua evolução, pois o processo inclusivo é norteado pela empatia, ética, fraternidade, respeito e diretamente por ser justo.


Para aquele que acolhe e convive com alguém nesta situação, adotando a interação inclusiva, também está evolutivamente se amadurecendo, não sobrecarregando a programação reencarnatória de ambos e efetivando a mensagem cristã de amor ao próximo.


A trajetória de mudança na terminologia já demonstra um discreto avanço, porque nesta ação é evidenciado que alguém se ocupou com a busca de respostas, com a visibilização das dificuldades e vulnerabilidades daquela pessoa e, principalmente, com um olhar mais generoso e fraterno no qual o ser é visto antes do seu comprometimento. No entanto, a mera modificação de palavras não é suficiente: preciso são uma ação bem mais resolutiva e uma intensa transformação de atitudes - de rotulação, para acolhimento.


Referências


ESQUINSANI, Rosimar Serena Siqueira e DAMETTO, Jarbas. O ordenamento discursivo sobre a deficiência no Brasil: algumas considerações. Revista Educação Especial, v. 33, e-17, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/37799/pdf. Acesso em: 8 ago 2025.


KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 93. ed. Brasília, DF: FEB, 2013. Cap. VII: Da volta do Espírito à vida corporal - Idiotismo, loucura. 


KARDEC, Allan. O Espírito de um idiota. Revista Espírita. Ano III, n. 6, p. 258-260, jun.1860. 


KARDEC, Allan. Os cretinos. Revista Espírita. Ano IV, n. 10, p. 437-440, out. 1861.


SANTIAGO, Ana Lydia. Debilidade e déficit: origens da questão no saber

psiquiátrico. CliniCAPS, v. 1, n. 3, dez. 2007. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/pdf/clinic/v1n3/v1n3a05.pdf. Acesso em 8 ago 2025.