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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 70

 

ESMETRA

 

Por Sonia Hoffmann

 

 

"Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; pois neste, Deus, o Pai, imprimiu o seu selo" (João, capítulo 6, versículo 27).

 

Santo Agostinho, em resposta à questão 919 de O Livro dos Espíritos, esclarecendo sobre o autoconhecimento, meio prático mais eficaz para se melhorar nesta vida e resistir ao arrastamento do mal, sugere: "Fazei o que eu mesmo fazia, quando vivi na Terra: no final do dia, interrogava minha consciência, passava em revista o que tinha feito e me perguntava se não havia faltado a algum dever, se ninguém tivera motivo de se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver, em mim, o que precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, relembrasse todas as suas ações do dia e se perguntasse o que fez de bem ou de mal, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o esclarecessem, adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, pois, crede-me, Deus o assistiria".

Esta resposta é enriquecida com aprofundamentos quanto aos procedimentos desta autoanálise: "perguntai, portanto, a vós mesmos e interrogai-vos sobre o que tendes feito, e com que objetivo agistes em tal circunstância; se fizestes alguma coisa que censuraríeis, da parte de outrem; se praticastes uma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda isto: Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria eu que temer o olhar de alguém, ao retornar ao mundo dos Espíritos, onde nada fica oculto? Examinai o que podeis ter praticado contra Deus, depois, contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos".

O amigo espiritual ainda alerta: "quando estiverdes indeciso sobre o valor de uma de vossas ações, perguntai a vós mesmos como a qualificaríeis, se ela fosse praticada por uma outra pessoa; se a censurais em outrem, ela não poderia ser legítima em vós, pois Deus não tem duas medidas de justiça. Procurai também saber o que dela pensam os outros e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, pois este nenhum interesse tem em mascarar a verdade, e Deus frequentemente os coloca ao vosso lado, como um espelho, para vos advertir, com mais franqueza, do que o faria um amigo. Que aquele que tem a vontade séria de melhorar-se, explore, portanto, a sua consciência, a fim de arrancar dela os maus pendores, como arranca as ervas daninhas do seu jardim; que faça o balanço do seu dia moral, como o comerciante faz o de suas perdas e de seus lucros, e vos asseguro que um lhe renderá mais do que o outro".

Estas orientações constituem claramente um dos roteiros para o desvendamento das causas e consequências do nosso proceder diário. A partir daí, entretanto, ficamos com uma indagação de extrema importância: como alcançar o ponto de equilíbrio no comportamento e decisões? Martins Peralva, no livro Estudando a mediunidade, faz referência à três importantes componentes deste processo: estudo, meditação e trabalho no bem. Com o objetivo de facilitar a memorização, reduzimos a nomeação particularizada de tais componentes à sigla ou estratégia mnemônica ESMETRA. A elaboração de  uma equação para facilitar a interiorização deste ponto de equilíbrio  é a seguinte: Equilíbrio = estudo + meditação + trabalho (no bem) ou, então, simplesmente equilíbrio = ESMETRA. Este equilíbrio, não obstante, não será provavelmente alcançado com o desenvolvimento destes três elementos de forma isolada ou necessariamente sempre transatuantes na mesma proporção, porém, didaticamente cada um deles será apresentado em destaque a fim de esmiuçarmos o seu mecanismo interno.

O estudo, por algum motivo, é frequentemente banido, subutilizado ou considerado algo especialmente teórico. Entretanto, ele representa bem mais do que o manuseio e a assimilação do conteúdo do livro, da apostila, do documento. Sua amplitude se traduz igualmente na interpretação e decodificação das constantes mensagens ostensivas e subliminares entrelaçadas em nossos comportamentos; refere-se também à observação contínua ou intervaladas para a identificação de determinada situação, ato ou circunstância; diz respeito à pesquisa de possíveis causas, ao seu desmembramento, combinação e análise das (cor)relações. Este estudo amplia-se para uma atitude investigativa do mundo externo e daquele interno, tão bem guarnecido das nossas próprias percepções - do qual ficamos muitas vezes conscientes somente quando um forte abalo provoca sua emersão. Para esta leitura ou para este diálogo interno, contudo, precisamos desejar nos conhecer, nos "disponibilizar a", ter a "curiosidade de", ou seja, tomar a postura do cientista que observa, formula e descarta hipóteses ou construtos, provoca a composição e decomposição para o encontro das causas de (des)afetividades; encadeia e desencadeia reações e comportamentos, equilibra e desequilibra sentimentos para o crescimento e avaliação do amadurecimento.

A meditação não abrange aqui, ou pelo menos não somente abarca, a prática da concentração e da contemplação, mas vincula-se à reflexão propriamente dita. Ela representa o momento da ponderação, da legitimação de continuidade ou da necessidade de mudança, do exame das nossas limitações e habilidades para a consolidação da escolha feita, da ordenação minuciosa de alternativas e proposições, dentre o conjunto de possibilidades, dos recursos e ajudas a serem buscadas, para além da prece porque a oração permeia todo o processo do viver.

O trabalho no bem vai aquém e além da ação material, considerando-se trabalho algo gerador de conhecimento, satisfação, desenvolvimento, aperfeiçoamento e, como podemos encontrar na resposta da questão 675 de O Livro dos Espíritos, no segmento referente às Leis Morais, o trabalho representa toda ocupação útil. Tal qual o conceito da Física, onde trabalho relaciona-se à força e movimento (ou distância de deslocamento), no Bem ele envolve vontade, esforço e atividade. Ele não está restrito à ação caritativa ao próximo, ao outro social, mas inicia-se em nós mesmos, na tarefa da (re)construção íntima pelo esforço e cuidado dinâmico da nossa melhoria individual e coletiva, na (re)educação do "homem velho" que todos trouxemos ou ainda abrigamos em nós, deixando-se expressar nos comportamentos retrógrados, arcaicos. Para isto, é necessário ter como aliados o empoderamento, a disciplina, a vigilância constante ao plano de mudança e aos acontecimentos intervenientes diários. O significado de empoderamento, neste contexto, é o de conquista de condições e desenvolvimento de autoridade, força, para a realização de ações e tarefas conectadas ao senso de responsabilidade no e pelo trabalho, pela aquisição e distribuição de conhecimento e pela capacidade de produzir mudanças em si e no ambiente.

Enfim, ESMETRA hoje talvez seja uma interpretação livre dos ensinamentos do Cristo e, com o tempo, deixará de ser um somatório de componentes que resulta no equilíbrio, transformando-se em habilidade natural do espírito evoluído. O exercício diário e constante torna-se fundamental, pois a conquista de qualquer habilidade requer constância, vontade e enfrentamento de dificuldades ou o desvanecimento de situações nebulosas. Preciso será sempre a persistência, ainda mais quando entendemos o propósito evolutivo da reencarnação.