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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 82

 

 

Benedita fernandes, dama inclusiva da caridade

 

 

    Por Sonia Hoffmann

 

 

A trajetória incansável, dedicada e laboriosa de Benedita Fernandes assume profunda importância na perspectiva inclusiva. Esta Dama da Caridade admiravelmente acolheu a diferença e os diferentes, consolou os aflitos e orientou com amorosidade, sem vaidade e dignamente os desnorteados, por cerca de 15 anos na cidade de Araçatuba, São Paulo, e adjacências.

 

O trabalho assistencial assíduo de atendimento àquelas pessoas com doença mental, desenvolvido por tão nobre, moralmente, obreira, marcou não apenas sua liderança e pioneirismo em terras brasileiras, mas colaborou para a reflexão de todos sobre a necessidade de acolhimento e valorização das aprendizagens trazidas pelo sofrimento, carência e dificuldades sociais, afetivas e financeiras.

 

Conforme os respectivos Registro de Nascimento e Atestado de Óbito, Benedita Fernandes nasceu em Campos Novos de Cunha (no Estado de São Paulo), em 27 de junho de 1883, partindo para a Pátria Espiritual no dia 9 de outubro de 1947, vitimada por colapso de insuficiência cardíaca, quando estava na sede da Associação das Senhoras Cristãs, em Araçatuba.

 

Benedita presumidamente foi descendente de escravos libertos. Com persistente obsessão, ela perambulou por cidades da região Noroeste do Estado de São Paulo, instalando-se em Penápolis. Sua chegada a esta cidade causou preocupação aos moradores porque ela andava com uma tesoura nas mãos, ameaçadoramente. Foi presa em delegacia, mas recebia o atendimento de um carcereiro adepto do Espiritismo. Depois de crise muito forte, ela ouviu de um Espírito: - “Benedita, se prometes consagrar-te, inteiramente, aos enfermos e pobres, sairás curada daqui”.

 

Ela aceitou o conselho orientador e ingressou na Doutrina Espírita, traçando novos rumos para sua existência reencarnatória. Curada dos constantes processos obsessivos que a afligiam, lançou-se fielmente à prática da Caridade e do bem compartilhado com todos. Posteriormente, Benedita e algumas amigas, também lavadeiras, organizaram um grupo espírita e casas de madeira foram construídas para atender crianças abandonadas, pessoas obsidiadas e com doença mental.

 

Essa trabalhadora incansável fundou a Associação das Senhoras Cristãs, se dedicou às tarefas mediúnicas e à evangelização de crianças e jovens. Ela ampliou seu trabalho em favor da comunidade carente, inaugurando um albergue noturno, uma escola e a Escola Mista do Abrigo João de Deus. Fundou ainda a União da Juventude Espírita de Araçatuba.

 

Para manutenção de todas essas atividades, Benedita recorria à colaboração de muitas pessoas da cidade, admiradoras do seu trabalho. Fazia campanhas, viajando pela região sempre acompanhada por uma antiga doente ou de uma criança atendida. Ela não media esforços e até mesmo obteve o apoio de governadores do Estado paulista, angariando grande prestígio e respeito na cidade. Estabelecia amizades com pessoas de todas as religiões e aquelas sem crença nenhuma. Indagada como conseguiu realizar todas estas obras, Benedita respondia: "Eu não fiz nada. A obra é dos patrões. Sou apenas uma empregada que procura servir, direitinho, a seus patrões, que estão lá em cima"; e apontava o céu.

 

Um episódio, não apenas marcante como também simbólico, é recordado por aqueles que conheceram e estudam sua história: em um domingo de intenso calor, Benedita Fernandes foi convidada para uma reunião de senhoras consagradas à caridade e para fazer sua palestra, mas, sua presença causou estranheza, pois ela vestia-se com compacto manto de lã apenas compreensível de ser usado em tempo de frio. Algumas pessoas presentes cochicharam críticas, contudo Benedita não estava assim vestida por mania, atitude de chamar a atenção ou excentricidade. Isto aconteceu porque a mulher admirável e digna que atendia dezenas de doentes e pobres, com suor do próprio rosto, envergava singelo vestido de chitão, com remendos enormes e bastante gasto.

 

Ou seja, Benedita Fernandes foi e pode ser considerada a dama inclusiva da caridade e, como está publicado na Revista Espírita de março de 1862, no artigo Os Obreiros do Senhor, são ditosos os que hajam trabalhado no campo do Senhor, com desinteresse e sem outro objetivo senão a caridade; ditosos aqueles que houverem chamado a seus irmãos para o trabalho conjunto e esforços unidos com a finalidade de que o Senhor, ao chegar, encontre a obra acabada, pois a eles será dito: "Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes impor silêncio aos vossos ciúmes e às vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para a obra!" As recompensas celestes são para quem não tenha buscado as recompensas da Terra. Neste momento, Deus procede ao censo dos seus servidores fiéis e marca aqueles cujo devotamento é apenas aparente, para não usurparem o salário dos servidores animosos, pois aos que não recuarem diante de suas tarefas é que Ele irá confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo Espiritismo.

 

Com este sintético resumo da brilhante trajetória de Benedita Fernandes, temos suficientes motivos e razões para realizar profundas meditação e avaliação da qualidade de nossa conduta e atitude para com o próximo. Esta grandiosa e digna mulher fez na sua época, marcada por tantos preconceitos, estigmas e barreiras culturais e sociais, imensamente mais do que muitos atualmente realizamos e efetivamos em nossas vivências com as coletividades, apesar de estar tão presente um discurso doutrinário e de inclusão. As suas características e peculiaridades como mulher negra, pobre, analfabeta, circunstancialmente na condição de 'louca' e inicialmente vivendo como andarilha não a impediram de enfrentar e superar tantos obstáculos, ousando e ampliando a rede de amor, fraternidade e bondade.

 

Nos dias de hoje, com tantos outros recursos sociais, tecnológicos e pelas mais variadas estratégias de acessibilidades disponíveis ou possíveis de serem desenvolvidas por nossa criatividade, temos dificuldade de ultrapassar algumas circunstâncias ou deixamos nos abater por adversidades ao ponto de nos fragilizarmos e entediarmos. Fica, deste modo, uma pergunta: o que nos impede de interagir e praticar o bem, o respeito, a consideração inclusiva e a responsabilidade social justa? Talvez, precisemos nos aprofundar em nosso autoconhecimento e colocar em ação e com eficiência os propósitos evolutivos da reencarnação.