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ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA ESPÍRITA

GABRIEL DELANNE

François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris, no dia 23/3/1857, ano de lançamento de "O Livro dos Espíritos". Seu pai, Alexandre Delanne, muito amigo de Allan Kardec, era espírita e sua mãe, Marie Alexandrine Didelot, era médium e contribuiu na codificação do Espiritismo. Gabriel foi engenheiro e dedicou-se ao Espiritismo Científico, tendo buscado sua consolidação como uma Ciência estabelecida e complementar às demais. Fundou a União Espírita Francesa, a revista "O Espiritismo", além de ter publicado vários livros. Desencarnou no dia 15/2/1926, aos 69 anos.

Semana 94

 

 

Todos somos seres de possibilidades

 

   

Por Sonia Hoffmann

 

 

               O ser reencarnante, em todas as suas etapas de desenvolvimento e de progresso evolutivo como Espírito imortal, vivencia uma série de situações entre ditosas, neutras e embaraçosas. Historicamente, um conjunto de desconstruções de ignorâncias, medos e preconceitos se burilam e de cada encarnação, surgem inevitavelmente, como resposta, novas construções de comportamentos instintivos em fase de elaboração ou condutas já constituídas de amadurecimento intelecto-moral - variando desde a revolta à sublimação.

 

               Todas as vivências, entretanto, representam oportunidades preciosas de aprendizagem de outras atitudes e o elastecimento de habilidades, especialmente morais e intelectuais, significativas para a conquista do "homem novo" liberto e emancipado.

 

               Comportamento inteligente e equilibrado é justamente o de, nestas circunstâncias, administrar o momento pedagógico de tal maneira que a condição aparentemente (des)favorável reverta em benefício e favorecimento evolutivo e salutar do Espírito aprendiz que todos somos.

 

Assim, o nosso cotidiano vital está repleto de estímulos, intenções, estratégias e convites à educação de posturas e aprendizado de diferentes atitudes. O próximo, o Outro, o agente ambiental consiste o grande instigador para o desenrolar deste processo de avaliação e de mudança, porque é na interrelação que nos percebemos e nos constituímos. Portanto, o acolhimento deste Outro por nós, assim como o seu rechaço, pode trazer e revelar em si a qualidade ou o significado do que abrigamos na intimidade da nossa (in)consciência afetiva e moral.

 

               O surgimento da pessoa com deficiência/diferença na vida de alguém traz este caráter provocativo, pois em ambos os protagonistas do convívio há o despertamento de repensares, o incitamento para a reelaboração e à flexibilidade, possibilitando o entendimento mútuo de que a vida pode se organizar a partir de vias alternativas e nem por isto ela deixará de ser valiosa, alegre e de cumprir a sua função instrucional e evolutiva.

 

               Contudo, muitas pessoas ficam impactadas e paralisadas ante a deficiência/diferença e não conseguem perceberem(-se) ou deixarem surgir o próximo, permanecendo presos ao olho que não vê, à perna que não anda, ao ouvido que não ouve, ao gênero padronizado que tem de moldar-se aos estatutos sociais, ao cérebro que desarticula movimentos e desordens da palavra, da comunicação, do afeto, do pensamento.

 

               Nesta condição da preponderância da desvalorização de um corpo debilitado ou com diferentes modos de expressão em detrimento de um Espírito em evolução, é imprescindível se apresentar para nós a intermediação, o alerta, talvez a crise. Deus nos oferece esta dádiva e muito mais por meio da ação amiga da Espiritualidade, pelos constantes aconselhamentos e orientações manifestos a partir da intuição, do gesto alheio, da possibilidade da interação sadia com estruturas sociais adequadas.

 

               A instituição Espírita precisa ser ou tornar-se um foco instrutivo também neste aspecto, acolhendo e colaborando no desenvolvimento tanto daquele sem ou com uma deficiência/diferença comportamental, comunicativa, sensorial ou intelectual ostensiva ou não, pois a mensagem essencial que o Espiritismo nos traz dá conta de uma renovação do ser e do estar no mundo para todos e em qualquer idade, sexo e outros atributos. O conteúdo do Espiritismo é igual para todos, mas a sua forma de apresentação e abordagem não o é e não deve ser porque precisamos perceber, ser justos e respeitar a diferença que existe no Outro. É mais do que hora de compreendermos que desigualdade de aptidões não significa indiferença.

 

               São Luís, no livro Céu e o Inferno, publicado por Allan Kardec, adverte que "no encarnado como no desencarnado, é sobre a alma, é sobre o sentimento que se faz mister atuar. Toda ação material pode sustar momentaneamente os sofrimentos do homem vicioso, mas o que ela não pode é destruir o princípio mórbido residente na alma. Todo e qualquer ato que não vise aperfeiçoar a alma, não poderá desviá-la do mal." Lázaro, no Evangelho Segundo o Espiritismo, amplia esta advertência: "Disse eu que em seus começos o homem só instintos possuía. Mais próximo, portanto, ainda se acha do ponto de partida, do que da meta, aquele em quem predominam os instintos. A fim de avançar para a meta, tem a criatura que vencer os instintos, em proveito dos sentimentos, isto é, que aperfeiçoar estes últimos, sufocando os germes latentes da matéria. Os instintos são a germinação e os embriões do sentimento; trazem consigo o progresso, como a glande encerra em si o carvalho, e os seres menos adiantados são os que, emergindo pouco a pouco de suas crisálidas, se conservam escravizados aos instintos. O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa. E então que, compreendendo a lei de amor que liga todos os seres, buscareis nela os gozos suavíssimos da alma, prelúdios das alegrias celestes".

 

               Portanto, é imenso o comprometimento da instituição Espírita quanto a coeducação de sentimentos, valores e condutas relativamente à deficiência/diferença. Estas reflexões e reorganizações atitudinais precisam acontecer desde os dirigentes e para aqueles que neste Movimento trabalham com o propósito de serem compartilhados preceitos fraternos, pelo discurso e especialmente pelo exemplo, com quem procura estas instituições, buscando a informação, o esclarecimento, a orientação, o consolo.

 

               Adaptações, estratégias e facilitações com maneiras mais seguras, geradoras de autonomia e eficientes de acolhimento e abordagem são, por isso, necessariamente de implantação urgente ou agilização rápidas na maioria destas instâncias estruturais e funcionais da Doutrina Espírita, porque não é possível mudança sem interação produtiva, efetiva, ética, contextualizada e responsável.

 

               Todos evoluímos individual e coletivamente! a criança, o jovem, o adulto e o idoso com deficiência/diferença encontram-se igualmente posicionados nesta perspectiva includente. Logo, é imprescindível as plenas acessibilidades não apenas ao espaço físico da Casa Espírita, mas à essência e ao conteúdo reformador, consolador e educativo que circula neste espaço preconizado pelo Espiritismo e contido na conduta do verdadeiro espírita.

 

               Acessibilidades, como caminhos para a conquista da inclusão, deste modo, tomam nova perspectiva na amplitude e magnitude do seu significado porque relaciona-se direta e intimamente à estruturação, organização e constituição espiritual do Ser.

 

               Hoje, vivemos cada vez mais em um planeta no qual inclusão é amplamente debatida e buscada legislativa e fraternalmente. Isto não implica, obviamente, que todos sejamos especialistas no tratamento e manejo com a deficiência/diferença, mas que todos sejamos receptivos e disponíveis para a convivência justa e solidária. Ou seja, não é necessário que o trabalhador espírita (evangelizador, coordenador, palestrante, dirigente) dê conta de todas as necessidades da pessoa com deficiência/diferença que participa da Casa ou estrutura espírita. Significa, isto sim, que este trabalhador não fique paralisado, assustado ou afugente a deficiência/diferença e o deficiente/diferente, mas que se conscientize e tome a iniciativa da busca de recursos e orientações, que ele consiga organizar, sozinho ou com a ajuda de outras pessoas, estratégias e encaminhamentos importantes para a garantia das acessibilidades, acolhimento, permanência, participação e pertencimento da pessoa com deficiência/diferença naquilo que lhe é, no momento, fundamental para seu esclarecimento e desenvolvimento. Com esta conduta, ambos, e talvez o grupo como um todo, estarão sendo beneficiados, pois ninguém passa por uma determinada situação sem que outro alguém também possa evoluir. E, se aprofundarmos esta linha de raciocínio, ninguém é culpado sozinho, ninguém é vitorioso sozinho, ninguém evolui solitariamente.

 

               A pessoa com deficiência/diferença tem direito, possibilidade e o dever da evolução; logo, tem direito, possibilidade e o dever de evangelizar-se, de (re)constituir-se com diferentes conceitos e orientações, de confrontar-se com aspectos reorganizadores. Isto não será possível se prosseguirmos insistindo que ela seja tão somente uma "tomadora" de passe, alvo constante de irradiação ou assistente parcial de palestras que nem sempre alcançam seus reais objetivos quando não acontecem dentro das fronteiras da possibilidade sensorial, mental, comportamental e atitudinal do Espírito.